O setor de grãos está se voltando para a diferenciação de produtos em mercados segmentados que atendam consumidores cada vez mais exigentes. No que se refere ao trigo, atender necessidades específicas do mercado significa distinguir lotes com aptidão tecnológica diferenciada. Assim, o trigo para biscoitos será diferente do trigo para macarrão, que será diferente do trigo para pão e assim por diante.
Para se ajustar ao mercado, o setor tritícola passou a investir na produção de trigo pão com o objetivo de atender à demanda da indústria de panificação, responsável por 60% do consumo de trigo no País. Nesse cenário, as empresas de melhoramento passaram a trabalhar direcionadas ao desenvolvimento de cultivares de trigo pão, com força de glúten e teor de proteínas cada vez mais altos, numa evolução na última década. Verificou-se nesse período que a disponibilidade de trigo pão passou de 40% em 2006 para 95% em 2012, enquanto o trigo brando representava mais de 60% das cultivares no mercado em 2006 e hoje representa apenas 6% dos materiais em uso nas lavouras.
Esse realinhamento no complexo agroindustrial do trigo brasileiro resultou numa lacuna no segmento destinado à fabricação de biscoitos, wafer, macarrão instantâneo, pizzas e alimentos infantis.
Trigo brando: qualidade inferior?
Durante muito tempo, o trigo brando (também chamado de soft, no mercado internacional, ou doméstico e básico, no Brasil) foi considerado produto de qualidade inferior, com menor remuneração no mercado nacional. Entretanto, com o crescimento da indústria de biscoitos, esse cenário começa a mudar. Ainda em 2003, representantes da americana Kraft estiveram na Embrapa Trigo (Passo Fundo, RS) para conhecer o trigo brasileiro. A visita resultou nas primeiras exportações de trigo, com cerca de 200 mil toneladas de grãos com baixa força de glúten.
Hoje, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de biscoitos e o consumo dos brasileiros praticamente dobrou em menos de dez anos, com a média atual de 6,3 kg por habitante ao ano, especialmente de biscoitos recheados (30%) e cream crackers/água e sal (25%). O segmento de biscoitos e bolachas representa 50% do valor das exportações com derivados de trigo, gerando receitas que chegam a 60 milhões de dólares por ano.
Esses números continuam atraindo grandes marcas, como a suíça Nestlé, que tem trabalhado desde 2012 junto à pesquisa e ao setor produtivo no fomento do trigo brando. "O Brasil é o segundo maior mercado para a Nestlé, logo atrás dos Estados Unidos, tanto em faturamento quanto em volume de vendas", conta o gerente agrícola para cereais, Olivier Marchand. Segundo ele, a aproximação com cooperativas visa à produção de 20 mil toneladas de farinha de trigo brando até 2015, num projeto futuro de chegar a 100 mil toneladas até 2018. "Somente a nossa fábrica de biscoitos em Marília, no Paraná, consome cerca de 110 mil toneladas por ano. Precisamos garantir que essa produção esteja disponível aqui", conclui Marchand.
Interação com o setor produtivo
No moinho da Cooperativa Agroindustrial Alfa (Chapecó, SC), a capacidade instalada de processamento de trigo é de 650 toneladas/dia, volume que pode resultar em 480 toneladas/dia de farinha. De acordo com o responsável pelo moinho, Júlio Tanilo Bridi, na última safra a produção do cereal na área de abrangência da cooperativa foi dividida em 80% pão e 20% básico. A produção deste trigo é direcionada sob encomenda da indústria de biscoitos e o produtor é remunerado com a mesma cotação do trigo pão.
Na Cooperativa Agrária Agroindustrial (Guarapuava, PR), a aproximação com a indústria começou em 2000 e hoje o segmento de biscoitos representa o principal mercado para o trigo na área da cooperativa. Em 2013, foram cultivados 22.897 hectares de trigo por mais de 300 produtores. Na área, a distribuição foi em 70,4% para trigo básico; 21,2% trigo pão e 6,2% para melhorador. "A cada ano, identificamos as melhores linhagens e cultivares junto aos obtentores e avaliamos, em média, 30 materiais no chamado ‘Ensaio Trigo Biscoito', em que contamos com o acompanhamento da indústria. Caso a farinha da linhagem ou cultivar seja aprovada, passamos à multiplicação de sementes com os nossos cooperados, com a autorização do obtentor vegetal", explica o pesquisador Juliano Luiz de Almeida. Os cooperados recebem uma bonificação para produzir trigos especiais segregados por cultivar para atender contratos anuais com a indústria. "Geralmente, o planejamento do volume de produção almejado está alinhado com a demanda da indústria, mas qualquer excedente deste tipo de trigo é disputado no mercado", avalia Almeida.
31/10/2014
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