Pouco depois do estouro da crise internacional de 2008, em uma época repleta de incertezas na economia brasileira e mundial, o empresário Rodrigo Tavares tomou uma decisão ousada: resolveu que era hora de tirar sua metalúrgica do estágio quase artesanal. Para isso, importou uma máquina italiana que lhe permitiria produzir mais rápido e angariar mais encomendas.
Quem financiou a compra foi o próprio fabricante do equipamento. A taxa de juros e a cotação do euro não eram as mais favoráveis, mas o preço, sim: com a forte queda da demanda global, a indústria estava dando descontos generosos para desovar a produção. Tavares suou para pagar as prestações, mas a aposta funcionou, e há alguns anos sua empresa, a fabricante de cozinhas industriais Rodriaço, passou a figurar nas listas das que mais crescem no país.
Enquanto Tavares confiou no investimento para não sucumbir à crise, o governo federal passou os últimos anos apostando no consumo como forma de dar impulso à indústria e à economia. E deixou de lado políticas e reformas que, embora não fossem capazes de produzir resultados imediatos, abririam espaço para um crescimento mais sustentado. A opção pelo estímulo ao consumo funcionou por algum tempo, mas hoje, nitidamente esgotada, mostra suas consequências negativas.
Sem acomodação
No primeiro semestre deste ano, a produção da indústria brasileira, que andava de lado desde 2011, caiu 2,3%. No Paraná, onde o setor vinha bem mais embalado, a queda chegou a 4,3%. De 12 segmentos monitorados continuamente pelo IBGE no estado, oito produziram menos no primeiro semestre – a retração mais disseminada desde 2009.
Não são muitas, portanto, as empresas que continuam crescendo em meio a um cenário tão adverso. Quase todas as que conseguem têm em comum o fato de não terem se acomodado durante os anos de bonança. Investiram em pesquisa e equipamentos, desenvolveram novos produtos e buscaram novos mercados mesmo quando não era preciso fazer esforço para continuar faturando alto.
É o caso da MVC, especializada em compostos plásticos, que anos atrás decidiu diversificar sua linha de produtos e buscar clientes em setores como o de energia eólica, quando o mais cômodo era continuar fornecendo produtos apenas para a consolidada indústria automotiva, que por muitos anos cresceu de forma exuberante.
A Caltec, fabricante de cal, continua ganhando dinheiro com a construção civil, outro setor que vem perdendo fôlego. Mas a empresa só se mantém em alta porque, há dois anos, começou a produzir um tipo de areia que vem ganhando espaço entre as construtoras. Se não fosse por esse produto, as receitas já estariam encolhendo.
“As sondagens dos últimos dois anos mostram que o desenvolvimento de novos produtos e a abertura de novos mercados têm sido um foco das empresas. Quem achou um novo caminho está colhendo os resultados”, comenta o economista Roberto Zurcher, do departamento econômico da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).
Rodriaço, MVC, Caltec e as outras cinco empresas retratadas nesta reportagem fizeram uma aposta que se mostrou certeira. Poderia ter falhado; é um risco de qualquer aposta. Mas os exemplos bem-sucedidos sugerem que, em um país que não parece ter qualquer plano para a indústria – nem mesmo o plano de deixar o setor se virar sozinho, sem a miríade de “pacotinhos” e incentivos direcionados dos últimos anos –, depender das escolhas do governo pode ser um risco ainda maior.
Endividamento esgotou modelo de incentivo ao consumo
As medidas de estímulo ao crédito e à compra de bens, em um cenário de aumento real dos salários e rápida expansão da renda, foram decisivas para sustentar o crescimento econômico – e a indústria – nos primeiros anos do pós-crise. O governo repetiria a fórmula muitas vezes, mas, com os consumidores endividados e o emprego e a renda perdendo fôlego, o efeito sobre a atividade econômica ficou mais fraco a cada dose.
Enquanto o incentivo ao consumo funcionava, o país pouco fez para atacar antigas deficiências que desde sempre impediram um crescimento econômico mais consistente e duradouro, entre elas o complexo e custoso sistema de tributos e encargos sociais; as deficiências na educação, em especial a de nível básico; a tímida abertura comercial; e a falta de poupança pública e privada, que limita os investimentos em obras e equipamentos e, consequentemente, faz perdurarem problemas crônicos de infraestrutura.
O resultado não demorou a aparecer. Depois de avançar 7,5% em 2010, o PIB brasileiro subiu apenas 6,4% na soma dos três anos seguintes. O setor mais afetado – e o primeiro a perder ritmo no pós-crise – foi a indústria, que, de 2011 a 2013, “cresceu” menos de 0,1% na média nacional.
Consequências
A indústria perdeu espaço no mercado interno e, claro, lá fora. E não só porque o câmbio eventualmente não ajudou e porque os gargalos logísticos persistiram. Em muitos casos, as fábricas concederam reajustes salariais mais altos que o aumento da produtividade e em outros tantos a falta de profissionais qualificados impediu ganhos de eficiência.
Na tentativa de reanimar a indústria, o governo editou medidas de curto prazo, a maioria para segmentos escolhidos, e desonerou a folha de pagamentos de boa parte do setor, com poucos resultados. No fim de 2012, o governo criou um pacote para baixar a tarifa de energia. Além de o efeito já ter passado, as medidas bagunçaram o setor elétrico e despertaram uma insegurança que piorou ainda mais os índices de confiança dos empresários.
Fonte: Gazeta do Povo
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