Os alimentos que levam o selo “orgânico” movimentam nos Estados Unidos US$ 50 bilhões por ano.
É o maior mercado do mundo. E está pegando fogo. Produtores, indústria e órgãos de regulamentação
não se entendem no debate para estabelecer claramente o que pode e o que não pode ser considerado alimento orgânico.
De um lado estão os pioneiros do movimento pela produção sustentável de alimentos nos EUA,
que estabeleceram o conceito clássico de agricultura orgânica. Em lado oposto, produtores e indústrias
de alimentos hidropônicos, aquapônicos e aeropônicos que não abrem mão do direito de usar
o rótulo de orgânico, apesar de serem veementemente contestados.
Nesta semana, numa votação apertada – 8 votos contra 7 – o Comitê Nacional de Padrões
Orgânicos, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, decidiu manter o direito de uso do rótulo de orgânicos
para o sistema de cultivo em hidroponia, no qual as plantas crescem sobre uma solução aquosa de nutrientes,
e para o sistema aquapônico, que combina a hidroponia com a criação de peixes. Apenas o cultivo aeropônico
– em que as plantas crescem suspensas no ar e com as raízes expostas – não conseguiu aprovação
para uso do selo de orgânico.
Os agricultores reclamam que incluir os hidropônicos no mesmo rótulo dos orgânicos tira a credibilidade
do programa que eles lutaram décadas para estabelecer, e num momento em que já sofrem intensa fiscalização
e escrutínio. Alguns ameaçam abandonar completamente o programa de certificação mantido pelo Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Prejuízo incalculável
“Era uma oportunidade de ouro para salvar o Programa Nacional de Orgânicos, mas eles não souberam aproveitar”,
disse Dave Chapman, veterano produtor de tomates orgânicos que se opõem à inclusão dos hidropônicos
no selo. “Eles causaram um prejuízo incalculável à certificação. Em pouco tempo vão
ver a besteira que fizeram”, avalia Chapman.
Desde 2000, o Comitê Nacional de Padrões Orgânicos é que delibera sobre os alimentos que podem
ser chamados orgânicos, e como devem ser produzidos. Participam do comitê agricultores, ambientalistas e representantes
da indústria de orgânicos.
Em 2010, o comitê recomendou banir da lista de orgânicos praticamente todos os tipos de produção
sem solo. Mas numa rara discordância, o USDA continuou a certificar as fazendas hidropônicas e aquapônicas,
dizendo que o comitê não havia analisado em profundidade os argumentos da indústria.
Agora que o comitê e o departamento chegaram a um acordo, o futuro dos hidropônicos no programa orgânico
“está muito mais promissor” – avalia Marianne Cufone, diretora-executiva da RFC, organismo que representa
a produção hidropônica e aquapônica. “É uma mensagem forte de apoio à mudança
na agricultura. E deixa claro que o programa de orgânicos pretende ser inclusivo, e não exclusivo”.
Sistemas incompatíveis
Essa abordagem causa ojeriza à velha escola de produtores de orgânicos, que passou os últimos sete
anos argumentando que sistemas de cultivo sem solo ferem os princípios do programa. Quando o movimento surgiu na primeira
metade do século 20, dizem eles, a promessa era de uma agricultura que não apenas reduziria o uso de certos
fertilizantes e agroquímicos – mas que contribuiria para a saúde do solo e do meio ambiente.
“Esta ideia de que os produtores de orgânicos estão ultrapassados, ou de que são um bando de
ludistas que se agarram às coisas do passado – isso é uma completa distorção”, disse
Cameron Harsh, diretora de políticas orgânicas do Centro para Segurança Alimentar. “Sistemas que
não utilizam o solo são simplesmente incompatíveis com o programa de orgânicos e suas regulamentações”,
completou.
Mas na apertada votação por 8 a 7, quarta-feira, o comitê deu um claro sinal de que discorda das críticas.
E foi além, tomando partido em favor dos agricultores hidropônicos, muitos dos quais gastaram vários anos
e milhares de dólares para obter a certificação orgânica.
Seus defensores afirmam que a produção de alimentos sem solo está em linha com os principais objetivos
do programa oficial: usa fertilizantes orgânicos e reduz drasticamente o uso de agroquímicos e água –
com frequência para níveis muito menores do que os encontrados nas plantações orgânicas tradicionais.
Como as fazendas hidropônicas geralmente funcionam em ambientes fechados, elas também representariam uma oportunidade
para produtores urbanos que, de outra forma, não teriam acesso a terras agricultáveis.
Feirinha de orgânicos
“Não me entenda mal – eu adoro ir às feirinhas de produtos orgânicos”, disse Matt
Barnard, diretor executivo da marca hidropônica Plenty, que cultiva, em estufas, verduras e ervas finas com certificação
orgânica. “A questão é que a feira de orgânicos dá conta de suprir apenas meio por
cento das frutas e vegetais frescos consumidos nos EUA”. “O que estamos fazendo”, diz Barnard, “é
tão orgânico como os outros cultivos”.
Os pioneiros do movimento orgânico afirmam que já não sabe mais o que o termo “orgânico”
significa. O debate em torno dos hidropônicos surge num momento em que o programa de orgânicos foi abalado por
uma série de escândalos envolvendo importações fraudulentas e ração animal suspeita,
após um período de crescimento contínuo e sustentável.
As vendas de orgânicos alcançaram US$ 47 bilhões em 2016, segundo a Associação do Comércio
Orgânico, e representam 5% de todas as vendas de alimentos nos EUA. Este crescimento, por outro lado, não foi
puxado por famílias idílicas de produtores rurais. Cada vez mais o mercado de orgânicos é dominado
por indústrias que diferem muito pouco de seus concorrentes convencionais.
Os produtores orgânicos “de raiz”, como Chapman, estão desanimados. “A questão é:
abandonamos o Programa Nacional de Orgânicos e buscamos outra forma de nos identificarmos?”, indaga Chapman. “É
uma pergunta legítima. Não sei dizer. Estamos nos sentindo derrotados”.
Orgânicos e hidropônicos no Brasil
No Brasil, alimentos hidropônicos, aquapônicos ou aeropônicos não podem usar o selo de orgânico.
Para a certificação de orgânico, não é permitido o uso de defensivos, hormônios, drogas
veterinárias, adubos químicos, antibióticos ou transgênicos em qualquer fase da produção.
Para receber o selo, a produção deve ser supervisionada por um Organismo da Avaliação da Conformidade
Orgânica (OAC) credenciado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ou então,
um grupo de produtores se organiza e faz cadastro no Ministério da Agricultura para venda direta. Neste caso, o consumidor
que estiver com dúvidas sobre a procedência do alimento pode exigir a apresentação da declaração
de cadastro. O Ministério da Agricultura diz que, neste modelo, o próprio grupo de produtores deve garantir
a qualidade orgânica dos produtos: “todos tomam conta de todos e respondem, juntos, se houver fraude ou qualquer
irregularidade que não apontarem e corrigirem”.
Para comercializarem seus produtos no Brasil como “orgânicos”, produtores estrangeiros devem passar pelo
mesmo sistema de certificação e atender às normas específicas brasileiras. Produtos certificados
por normas internacionais não são reconhecidos automaticamente como orgânicos no país.
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