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Publicado em 27/03/2017
O declínio da indústria de papel, associado a progressos em tecnologia de materiais, colocou em cena um novo ator, que tem despertado interesse empresarial: a nanocelulose. A celulose em escala nanométrica (para ser considerada como tal, ao menos uma das dimensões precisa ter menos de 100 nanômetros, ou nm) pode ter formato de nanofibrilas ou nanocristais. As primeiras têm a forma de espaguete e são facilmente entrelaçáveis, destinadas preferencialmente ao reforço de embalagens plásticas. Já os nanocristais de celulose, que medem de 5 a 20 nm de largura e de 100 a 500 nm de comprimento, têm a aparência de arroz e são considerados um material mais nobre porque podem ter carga elétrica na superfície e propriedades químicas, ópticas e eletrônicas. Esse novo material é caracterizado por uma estrutura cristalina nanométrica existente no interior de qualquer fibra vegetal.
Extraídos da celulose, matéria-prima da fabricação do papel, os nanocristais podem ter origem em madeira de reflorestamento, mas também em sobras de madeira, bagaço de cana, cascas de coco e de arroz, resíduos da produção de óleo de soja e de palma (dendê). Os nanocristais são de origem renovável, leves e biodegradáveis, levando vantagem sobre outros materiais sintéticos – muitas vezes originários de derivados de petróleo. São várias as potenciais aplicações: no reforço de materiais plásticos e de cimento, em sensores da indústria de petróleo e gás, em curativos especiais e próteses, em tintas, revestimentos, cosméticos e, com acréscimo de outras substâncias, na indústria eletroeletrônica. Não existem, por ora, produtos comerciais fabricados com os nanocristais: a ainda incipiente produção mundial desse material é destinada a clientes que possam desenvolver aplicações e criar mercados.
O Brasil tem investido nesse material promissor, adquirindo participação em empresas estrangeiras produtoras de nanocristais. Em 2013, a Granbio, empresa brasileira de biotecnologia industrial, adquiriu 25% da American Process Inc. (API), dos Estados Unidos. A API anunciou, em 2015, uma nova tecnologia de baixo custo para extração de nanocelulose a partir de biomassa e iniciou a produção em fase pré-comercial. A Granbio, uma das duas companhias no país que detêm a tecnologia para fabricar etanol de segunda geração a partir do bagaço de cana (ver Pesquisa Fapesp nº 235), investiu na API para ter acesso à tecnologia de pré-tratamento de biomassa. Em comunicado, a empresa brasileira declarou que investe em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de nanocelulose há quatro anos e atua, por meio de sua afiliada API, em uma planta nos Estados Unidos. As amostras de nanocelulose produzidas são ofertadas para potenciais clientes.
A Fibria, empresa brasileira líder mundial na venda de celulose de mercado, passou em novembro de 2016 a ser sócia da canadense CelluForce, primeira produtora comercial de nanocristais de celulose. A Fibria investiu cerca de US$ 4 milhões, adquirindo 8,3% de participação no capital da CelluForce, startup da FPInnovations, centro de pesquisas do setor florestal canadense. A FPInnovations (antiga Pulp and Paper Research Institute of Canada) é detentora da primeira patente referente à produção de nanocristais de celulose, concedida em 1997. Além da FPInnovations, fazem parte do capital da empresa a também canadense Domtar, produtora de celulose e papel, e a Schlumberger, de origem francesa, maior fabricante de sistemas e equipamentos para a indústria de petróleo. Formada em 2010, a CelluForce inaugurou sua planta-piloto em Montreal, Quebec, em 2012. Hoje com capacidade de produzir 300 toneladas por ano, sua produção também é destinada a amostras fornecidas a potenciais clientes.
Para Vinicius Nonino, diretor de Novos Negócios da Fibria e agora integrante da diretoria da CelluForce, já se sabe que os nanocristais serão úteis em setores como papel, cimento e produtos medicinais. Essas aplicações, que ainda precisam ser desenvolvidas para cada setor, segundo Nonino, poderão significar uma importante diversificação dos negócios da Fibria. A empresa tem os direitos de produção no país e de distribuição dos nanocristais em toda a América Latina. Tanto a Celluforce como a Fibria serão inicialmente fornecedoras de matéria-prima. A Fibria prevê montar uma fábrica-piloto para produção de nanocristais de celulose no seu Centro de Tecnologia em Aracruz (ES), ainda em 2017.
O novo material tem despertado interesse como substituto de matérias-primas já utilizadas e como base para elaboração de novos produtos. Estimativas indicam que o preço dos cristais de nanocelulose poderá ser mais do que 20 vezes o da celulose. Segundo estudo realizado pela consultoria norte-americana Market Research Store, o mercado de nanocelulose foi de US$ 65 milhões em 2015. A empresa avalia que esse valor subirá para US$ 530 milhões em 2021, um aumento de 30% ao ano.
Interesse da indústria
O primeiro artigo científico sobre a produção de cristais de nanocelulose foi publicado no começo dos anos 1950 pelo químico sueco Bengt Rånby, do Royal Institute of Technology (KTH). Com forte tradição na indústria de papel e celulose, os suecos inauguraram em 2011 a primeira planta-piloto mundial de extração de nanofibrilas de celulose, do instituto de pesquisa Innventia. O uso de nanocelulose para reforçar materiais como papel, compósitos e plásticos já despertava o interesse da indústria, mas o processo de extração demandava muita energia, inviabilizando o processo.
A Holmen AB, empresa sueca de papel e celulose, tornou-se acionista principal da empresa israelense Melodea, desenvolvedora de um processo industrial para a extração de nanocristais de celulose do lodo resultante da fabricação de papel. A empresa pesquisa o uso desse material em espumas sem nenhum tipo de componente plástico e como forma de aumentar a resistência de embalagens, papéis, colas acrílicas e tintas. Em uma parceria da Melodea com a Holmen AB, o Instituto Rise (iniciativa do governo sueco na área de inovação que reúne o Innventia e outros institutos) e o MoRe Research (empresa sueca de P&D para a indústria florestal) estão construindo a primeira planta-piloto de nanocristais de celulose na Europa, a 500 quilômetros de Estocolmo, na Suécia.
No Canadá, outro país com forte tradição na indústria de papel e celulose, além da CelluForce, a empresa Blue Goose Biorefineries vende por US$ 1 mil o quilograma (kg) de nanocristal na forma de um gel claro e quase transparente. Os compradores são empresas e instituições de pesquisa que testam a matéria-prima em várias situações e produtos. A fábrica da empresa, na cidade canadense de Saskatoon, fabrica 35 kg por semana de nanocristais a partir de produtos com alto teor de celulose, como polpa de árvores, papel reciclado, línter do algodão (penugem que fica presa ao caroço) e fibras de linho.
A Blue Goose desenvolveu um processo nanocatalítico oxidativo que exige menos produtos químicos e, portanto, seria ambientalmente mais favorável para transformar a biomassa em um cristal de dimensões nanométricas. Nanocristais são produzidos atualmente por hidrólise ácida (separação das fibras da madeira até extração da celulose e da forma nanocristalina), na maioria das vezes com ácido sulfúrico, mas também com ácido fosfórico ou ácido clorídrico.
Um dos gargalos da área de P&D é a produção de peças de nanocelulose com maior dimensão:
passar a produzir eficientemente o material em metros, e não em centímetros, de forma a permitir a análise
de suas características mecânicas e funcionais e a avaliação de seus benefícios e usos como
produto final. A Melodea e o MoRe Research colaboram em um projeto para transformar protótipos de filmes, papéis
e espumas feitas em pequenas dimensões em laboratório, com nanocristais e nanofibrilas de celulose, em produtos
prontos para o mercado. Sob a coordenação do KTH, em Estocolmo, e com a participação de universidades
suecas e da Processum, empresa de P&D de biorrefinarias, deverão ser produzidos na fábrica-piloto em construção,
na Suécia, nanocristais, nanofibrilas e seus produtos.
Com informações da Revista FAPESP.
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