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Melhoramento genético do trigo beneficia produtores do Cerrado

Publicado em 07/11/2016

Há alguns anos imaginar consumir pães elaborados exclusivamente com farinha de trigo produzida com variedades de trigo cultivadas no Cerrado não passava de um sonho. Aos poucos, a farinha de trigo comercializada na região vai ganhando espaço entre as panificadoras do Distrito Federal. O percentual de estabelecimentos ainda é pequeno, mas algumas panificadoras já usam 100% da farinha regional.

A maior oferta de farinha de trigo pelo moinho, que atualmente atende 15% do mercado do DF, só é possível porque a pesquisa de melhoramento genético do trigo disponibiliza aos agricultores cultivares de elevada produtividade e alta qualidade de panificação. O produto usado na região mescla três farinhas produzidas a partir de variedades de trigo da Embrapa: BRS 254, BRS 264 e BRS 394. Os grãos da BRS 394, lançada em 2015, apresentam qualidade industrial voltada à panificação.

Com essa farinha, as panificadoras conseguem produzir, em média, 15% a mais com um quilo de matéria-prima, já que podem adicionar água sem comprometer a qualidade do pão, pois essas variedades apresentam alta força de glúten, o que permite maior rendimento da farinha.

Esse é o resultado de uma ação com “efeito cascata”: o produtor aposta na cultivar e, consequentemente, aumenta sua área de plantio; o moinho, atraído pela qualidade de panificação, compra mais trigo e produz volume maior de farinha; a panificadora adquire farinha de qualidade e com preço inferior ao do trigo importado.

A Pepita Pães e Conveniências é uma das redes de panificadoras que está substituindo a farinha de trigo importada pela do Cerrado. O proprietário Maurício Tavares conta que já usava parte da farinha fabricada pelo moinho da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), completando a importada, mas depois de perceber a força de glúten da farinha local passou a usá-la integralmente. “Quando vi que o resultado era similar ao obtido com a outra farinha, passei, há pouco mais de três meses, a comprar apenas a farinha daqui. Optei pela substituição também porque a farinha é mais barata, o que reduz parte do meu custo”, diz.

Essa diminuição no custo da panificação ainda não refletiu no preço do pão pago pelo consumidor. Isso porque a farinha de trigo é apenas uma das matérias-primas usadas na fabricação do pão e massas doces. Somam-se aos ingredientes, os custos de embalagem, energia, mão de obra e despesas físicas, entre outros. Nessa fase inicial, a redução do preço de um item compensa a alta em outro. No entanto, na opinião de Tavares, a tendência é de se obter o equilíbrio nos preços à medida que continue aumentando a oferta da farinha regional. 

Cultivares de trigo da Embrapa

Os grãos da BRS 394 são de excelente qualidade industrial para panificação. Isso porque é um trigo classificado como melhorador, que apresenta alta força de glúten (média de 350 x 10-4 J) e estabilidade (28 minutos). A força de glúten está ligada à quantidade de proteínas que formam o glúten, permitindo o crescimento da massa durante o processo de panificação. Já a estabilidade indica a resistência da massa ao tratamento mecânico e ao processo fermentativo na fabricação do pão.

 

Outra vantagem da cultivar BRS 394, de acordo com o presidente da Coopa-DF Leomar Cenci, é o índice de extração, no moinho, da farinha do trigo, que pode chegar até a 80%, mantendo a mesma qualidade. Para as panificadoras, o uso da cultivar garante a produção de pães com características que atendem às exigências do consumidor. “Só se consegue pão com qualidade o ano todo por causa da alta estabilidade e força de glúten do trigo BRS 394”, afirma Cenci.

Já na safra de 2015, a cultivar BRS 394 confirmou seu elevado potencial de produtividade. Em lavouras de produção de sementes, essa cultivar produziu em média 120 sacos/hectare. Na safra de 2016, a média foi a mesma da safra anterior, com registro de produtores que conseguiram até 129 sacos/hectare de grãos, como Vilson Baron, da Fazenda Sossego, em São João da D’Aliança (GO). “Esses números apenas reforçam no campo a qualidade desse material. Sabemos do seu potencial genético e acreditamos que, se o produtor utilizar toda a tecnologia disponível, ele alcança tranquilamente até 140 sacos/hectare”, declara o pesquisador da Embrapa Cerrados (DF), Júlio Albrecht. 

O crescimento da produção no Cerrado

No ano passado, o produtor Sebastião Conrado destinou cinco hectares da Fazenda Dom Bosco, em Cristalina (GO), para o cultivo da BRS 394 e teve produção acima de 120 sacos/hectare. Satisfeito com o resultado, ele aumentou, na safra de 2016, a área de plantio. Passou para 65 hectares. Demonstrando confiança na cultivar, ele estima que, para a próxima safra, irá plantar a BRS 394 em área de 100 a 200 hectares. “Com sua produtividade elevada e qualidade para panificação, a tendência é de que a BRS 394 substitua materiais lançados anteriormente. Para os produtores, ela veio para ficar”, acredita.

A beleza e a uniformidade da lavoura cultivada com BRS 394 na Fazenda Dom Bosco chamou a atenção do produtor Paulo Bonato.  Ele resolveu também apostar na cultivar. Plantou, em 2016, a BRS 394 em 51 hectares de sua fazenda em Cristalina e colheu 116 sacos/hectare. Bonato aponta outra vantagem da cultivar: boa resistência às principais doenças que acometem a cultura.  Sem precisar gastar tanto com defensivos agrícolas, o produtor reduz parte de seus custos e, consequentemente, consegue maior rentabilidade.

Assim como o produtor Sebastião Conrado, o pesquisador Júlio Albrecht também acredita que o cultivo da BRS 394 irá crescer nos próximos anos. A cultivar BRS 264 ainda é a mais plantada no Cerrado, ocupando 80% da área cultivada com trigo na região. Com suas características superiores, em comparação a BRS 264, a BRS 394 está se tornando a melhor opção para o produtor do Brasil Central, de acordo como especialista.

“O objetivo do programa de melhoramento genético é lançar variedades mais produtivas, que vão aos poucos substituindo as anteriores. Isso está acontecendo naturalmente com essas variedades de trigo. A BRS 394 foi obtida a partir do cruzamento de uma variedade da Embrapa (Embrapa 22) com outra proveniente do International Maize and Wheat Improvement Center (Cimmyt), e conseguiu aliar qualidade e produtividade. O programa de melhoramento da Embrapa teve início na década de 1970 e está conseguindo transformar o Cerrado no terceiro polo produtor de trigo do País”, afirma Albrecht.

 A BRS 394 só foi lançada após cinco anos de avaliação (2010 a 2014) em propriedades de Unaí (MG), Cristalina (GO), Planaltina (DF), São Gotardo (MG) e Coromandel (MG). A cultivar é indicada para cultivo irrigado, em altitude superior a 500 metros, no Distrito Federal e nos estados de Goiás e Minas Gerais, e em áreas de altitude maior que 600 metros no Oeste da Bahia e no Mato Grosso. 

A cultivar apresenta outras importantes características importantes como ciclo precoce (total de 120 dias da emergência das plantas até a colheita), resistência à debulha natural e moderada resistência ao acamamento.

Fonte: UOL

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