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Publicado em 13/09/2016
Fonte: Revista Época
Replantar o que foi desmatado ilegalmente é o pesadelo de muitos produtores rurais do Brasil. Mas não precisa ser. E nem deve haver muita opção agora. O Serviço Florestal concluiu a primeira fase do mais ambicioso levantamento das florestas privadas, o Cadastro Ambiental Rural. Ele está revelando quem respeitou as áreas obrigatórias de reserva legal e áreas de preservação permanente. E quem terá de recuperar a floresta desmatada ou ao menos deixar que ela se recupere sozinha. Em alguns casos, será preciso investir em replantio de mata nativa. A boa notícia é que isso pode dar dinheiro. Replantar Mata Atlântica e Floresta Amazônica é uma forma de cultivar árvores que podem gerar, com manejo, madeira de grande valor. A reserva legal pode ser replantada e usada comercialmente. Isso representa 80% da propriedade na Floresta Amazônica, 35% no Cerrado e 20% na Mata Atlântica.
>> É hora de replantar a Mata Atlântica
Essa oportunidade de ganhar dinheiro com floresta replantada inspirou a criação da Symbiosis. A Symbiosis é fruto de um investimento do banqueiro Bruno Mariani. O plano inicial é cultivar 100.000 hectares de espécies nativas da Mata Atlântica no sul da Bahia. A empresa está produzindo muda comercial, com direito a melhoramento genético e tudo, de espécies nativas do país. A ideia é ajudar a colocar de volta no mercado madeiras míticas como jacarandá e recuperar a biodiversidade do Brasil. É o que explica o engenheiro florestal Renato Moraes de Jesus, diretor técnico e operacional da Symbiosis.
ÉPOCA – Por que investir em plantio comercial de espécies nativas da Mata Atlântica?
Renato Moraes de Jesus – Sem considerar os aspectos ambientais que os reflorestamentos em uso múltiplo
e longevos propiciam, vale a pena pela existência de determinadas espécies com alto valor madeireiro e comercial.
Isso junto com o potencial de crescimento com melhoramento florestal. Para ter uma ideia, com uma simples seleção
precoce, já é possível ter ganhos de até 15% no incremento volumétrico.
ÉPOCA – Existe mercado para essas madeiras? Ou os compradores realmente estão preferindo pínus
ou eucalipto que não dão problema regulatório?
Renato – O mercado mundial de madeira
serrada tem uso crescente. O uso de pínus e eucalipto na produção de madeira serrada tem um viés
de alta. Todavia, como os reflorestamentos com esse objetivo são irrelevantes, em breve teremos falta desses produtos
oriundos dessas espécies. É importante deixar claro que nenhuma espécie tem problema regulatório,
desde que se obedeça à legislação vigente, o que nesse aspecto me parece adequada no nosso país.
Não considerando o mercado de madeira serrada advinda de reflorestamento, que é ainda muito reduzido no Brasil,
há um volume oficial produzido anualmente de 7 milhões de metros cúbicos de madeira serrada oriunda do
então denominado manejo florestal sustentado. Esse manejo é baseado nas premissas de gerar 20 metros cúbicos
por hectare e a cada 40 anos. Seguindo esse princípio, temos anualmente em uso 350.000 hectares de Floresta Amazônica.
Se somarmos mais 70.000 hectares utilizados na infraestrutura de exploração dessa madeira, vamos ter em 40 anos
um número próximo de 20 milhões de hectares usados para o suposto manejo florestal. Se realmente fosse
sustentável, poderia se tornar uma prática saudável. Mas os resultados na prática são bem
diferentes. Veja o que aconteceu no Sudeste Asiático, no sul da Bahia e mesmo em algumas regiões da Amazônia.
Sob a égide do então denominado manejo sustentado, constatamos incêndios e substituição
da floresta por outros usos com prejuízo ambiental.
>> O negócio é plantar florestas
ÉPOCA – Se o manejo sustentável não for uma saída, qual será nossa fonte
de madeira que garanta a manutenção das florestas?
Renato – Se quisermos madeira serrada,
independentemente do bioma, vamos ter de reflorestar. Aquele tal manejo é só para fazer capital inicial. Depois,
normalmente, a área é abandonada e o resultado já sabemos. Reflorestando e considerando aquele consumo
anual de 7 milhões, vamos precisar não mais do que 20.000 hectares por ano de reflorestamento. Num ciclo de
exploração de 40 anos, teremos uma área útil de 800.000 hectares usada para reflorestamento. Não
é uma extensão tão grande. É aproximadamente 10% do total plantado para produção
de celulose e papel. Não dá para dizer que é inatingível. E isso ainda permitirá a restauração
da reserva legal das propriedades rurais.
ÉPOCA – As espécies nativas levam muito tempo para chegar em idade de corte. Há alguma
espécie que seja competitiva?
Renato – Um grupo de espécies que ocorrem tanto na Mata Atlântica
como na Amazônia, mesmo que ainda em estágio selvagem de melhoramento, é atraente. Existem espécies
em que o corte final pode se dar entre os 25 e os 40 anos. Claro que até chegar a esse momento, desbastes intermediários
serão realizados, o que melhora, consideravelmente, o fluxo de caixa. Espécies como jequitibá, louro,
vinhático, alguns ipês, peroba-amarela, peroba-rosa, freijó, mogno, castanha-do-brasil, jenipapo, paraju,
maçaranduba, alguns angicos e a macanaíba são competitivas. Imaginem o que elas podem se tornar com práticas
simples de melhoramento. Também é importante a forma de consórcio. Uma das espécies mais valiosas
do mundo do ponto de vista madeireiro é o jacarandá. Segundo nossa estimativa, ele tem um ciclo de corte de
50 anos. Para isso, além do melhoramento genético, é fundamental que ele seja cultivado com algum nível
de sombreamento. Por isso, precisa ser plantado em consórcio com outras espécies que crescem mais rápido.
Sem considerar as benesses indiretas, o reflorestamento de 1 hectare com alguma dessas espécies é um excelente
fundo de pensão, quando comparado com outras formas de investimento.
ÉPOCA – Países com florestas mais homogêneas em climas temperados, como Canadá,
Estados Unidos, Japão, Noruega e Finlândia, têm mais sucesso em conciliar a exploração comercial
com o manejo do bioma. Por quê? A biodiversidade é uma dádiva ou uma maldição?
Renato – Isso é uma verdade. As florestas com menos espécies oferecem menos variáveis para
o manejo. Por um lado, isso ajuda no uso racional dos recursos. Mas devemos considerar que esse denominado manejo do bioma
contempla também o reflorestamento. Esses países aprenderam que só cortar sem reflorestar é insustentável.
Lamentavelmente ainda não aprendemos essa lição. Naqueles lugares, as serrarias permanecem nos mesmos
lugares há mais de 100 anos. Aqui a serraria anda seguindo onde a floresta está de pé. Cheguei para trabalhar
em Linhares, no Espírito Santo, em 1977, e lá existiam 400 serrarias. Hoje nenhuma delas está em atividade.
ÉPOCA – O pau-brasil foi o primeiro produto da floresta do país. Foi explorado até quase
sua extinção. Há chance de um retorno do pau-brasil plantado?
Renato – A situação
do pau-brasil, apesar de sempre existirem boas intenções, é lamentável. Mas, se alguém
quiser, é possível ainda resgatar a variabilidade genética dessa espécie. Mas tem de sair das
boas intenções e começar de fato a fazer. Além disso, é importante que se aprenda a plantar
essa espécie. Ela é uma espécie secundária. Portanto, não pode ser plantada a pleno sol.
Há pouco mais de um ano, participei de um evento sobre essa espécie na Caatinga. Bem, foram fazer um plantio
comemorativo, todavia a pleno sol e num período seco. Aliás, esses eventos são interessantes. Se fizermos
uma conta do que é plantado em eventos como esse e também nos dias da Árvore e do Meio Ambiente, se essas
boas intenções realmente brotassem, teríamos um país com muito mais árvores.
ÉPOCA – Arquitetos e urbanistas deveriam dar prioridade a espécies nativas para projetos
de prédios e parques urbanos?
Renato – Não tenho essa xenofobia botânica que expressa
a dicotomia de nativa versus exótica. Costumo dizer que planta não tem geografia política,
e sim ecossistema. Devemos sempre considerar a funcionalidade desejada para o uso que se queira dar a um determinado espaço
e conhecer seus impactos. Um exemplo marcante disso é a arborização urbana de nossas cidades. Independente
da espécie utilizada, não aplicam o manejo indispensável a uma nova situação. É
flagrante o número de árvores caídas nesses espaços simplesmente pela não aplicação
de tratamentos adequados e mesmo pelo uso de espécies que não tenham a capacidade de se adaptar a uma nova situação.
Dito isso, temos sempre de considerar que o uso de vegetação em nossos espaços deverá contemplar
a diversidade das espécies.
ÉPOCA – Com tantos problemas em nossas cidades, a arborização urbana é um luxo?
Renato – Nunca, e sim uma necessidade. Cada vez mais premente. Não só pela amenização
microclimática, mas também e fortemente pelos aspectos emocionais que envolvem a maioria das pessoas. Outra
coisa fundamental nos espaços urbanos é a formação de ilhas de vegetação, que tem
como um dos objetivos diminuir a impermeabilidade dos espaços urbanos.
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