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Publicado em 01/08/2016
Um decreto presidencial de abril deste ano elevou a porcentagem da adição de biodiesel no diesel, que passará de 7% para 8% até 2017 e chegará a 10% em 2019. No ano passado, o país produziu 3,9 bilhões de litros de biodiesel – um crescimento de 15% em relação a 2014 –, ficando em segundo lugar no mundo, atrás dos Estados Unidos e na frente da Alemanha e da Argentina. A demanda esperada para 2020 é de 7 bilhões de litros. Em 2015, 76,5% do biodiesel no Brasil foi feito com soja, 19,4% com gordura animal, 2% com algodão e mais 2,4% com outros tipos de matérias-primas, como óleo de cozinha usado, dendê, entre outros. A produção desse biocombustível se dá por meio de um processo químico chamado de transesterificação, em que é misturado um óleo vegetal ou gordura de origem animal ao metanol, um álcool extraído do gás natural, e mais um catalisador, uma substância química. Para cada mil litros de óleo são necessários 300 litros de metanol.
O aumento da participação do biodiesel no diesel vai estimular a demanda por matérias-primas para o fabrico do óleo vegetal. As opções são muitas. A mais recente, que é objeto de estudo de várias instituições de pesquisa brasileiras, é o óleo do fruto da macaúba, uma palmeira encontrada em quase todo Brasil, do norte de Minas Gerais até o norte da Argentina. Ela é a mais nova promessa para a produção de biodiesel. O que atrai na planta é a quantidade de óleo que essa cultura sem nenhum melhoramento agronômico produz num espaço de 10 mil metros quadrados ou 1 hectare (ha): até 4 mil litros (l). A título de comparação, a soja rende 500 l/ha.
“A macaúba será extremamente importante para o futuro do biodiesel em alguns anos. É a cara do Brasil porque é uma planta nativa que está sendo muito pesquisada e em pouco tempo vai ganhar mercado”, comenta Donizete Tokarski, diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), que reúne os produtores. Ele garante que, com a capacidade industrial atual, é possível aumentar a oferta de biodiesel aos poucos, até atingir os 15% na composição com o diesel. Isso é possível porque quase toda a matéria-prima para o biodiesel é de subprodutos, como óleo de soja, gordura animal e óleo do caroço do algodão. Existe ainda o óleo de fritura, por exemplo, segundo Tokarski, uma fonte quase inexplorada. Dependendo da região, compra-se o litro por valores que vão de R$ 0,40/l a R$ 1,80/l.
Para o futuro, ainda existe a cultura do dendê, que pode render 4 mil l/ha. Também chamada de palma, essa cultura ainda não atingiu um volume de produção para o biocombustível e certamente terá um custo mais favorável na região Norte do país, onde é plantada e se adapta melhor. A previsão em relação à macaúba é que em quatro anos os produtores terão mudas para plantio e em mais seis anos, o óleo para a venda.
A planta (Acrocomia aculeata) é uma palmácea nativa presente no Cerrado, na região Centro-Oeste, Pantanal e até na parte oeste e sul da região amazônica. “Não existe na história brasileira uma planta nativa que tenha atraído tantos pesquisadores em tão pouco tempo”, avalia o engenheiro agrônomo Carlos Augusto Colombo, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). “São mais de 100 pesquisadores no Brasil estudando o melhoramento genético da macaúba e as características químicas do óleo.” O trabalho no IAC começou em 2006, quando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e outros órgãos de fomento incentivaram por meio de editais a pesquisa com oleaginosas para a produção de biodiesel. Colombo teve um projeto financiado pela FAPESP, em que levantou e identificou plantas de macaúba em vários locais do estado de São Paulo. “Foi uma coleta de sementes dos frutos para que pudéssemos estudar a variabilidade genética na população e fazer cruzamentos entre elas para uma futura formação de cultivares para plantio.” Depois de 10 anos, Colombo anuncia que em mais quatro anos o IAC poderá lançar no mercado agrícola uma variedade para plantio voltada à produção de óleo.
Lembrança do pinhão
“O óleo de macaúba é muito estável
e tem ácido láurico, um importante ingrediente para a indústria de cosméticos. Na natureza, a
planta gera de 3 a 4 mil litros de óleo/ha/ano. Com o nosso melhoramento, atingiremos de 8 a 9 mil l/ha”, afirma
Colombo. Entre os projetos em que participa está um do Banco Mundial, junto com a Universidade Leuphana, da Alemanha,
que financia a plantação de macaúba em 2.000 ha em Patos de Minas (MG) com apoio do IAC e que funciona
em consórcio com a criação de gado. Esse tipo de associação contribui para recuperar pastagens.
Colombo diz que toma todos os cuidados para que não ocorra com a macaúba o que aconteceu há alguns anos com o pinhão-manso (Jathopha curcas): um excesso de otimismo entre produtores de biodiesel antes mesmo de existirem pesquisas e o estabelecimento de dados agronômicos sobre a cultura. “O pinhão-manso não apresentava plantas de porte baixo, o que dificulta a colheita. Tem frutos grandes, pequenos e amadurecimento em épocas distintas em pés diferentes na mesma plantação”, lembra. Para evitar essa situação, os pesquisadores estão identificando as melhores plantas de macaúba, com porte baixo, mais produtivas e com maiores teores de óleo. A macaúba pode produzir por mais de 20 anos.
Outra frente de estudo e produção de variedades para plantio de macaúba está na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, onde o agrônomo Sergio Motoike coordena um projeto desde 2005, que teve financiamento da Petrobras e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Inicialmente o grupo estudou o dendê (Elaeis guineenses) e chegou a um sistema de micropropagação (multiplicação), que recebeu financiamento do CNPq e da empresa Agropalma. “Conseguimos fazer 20 clones da melhor planta, que agora estão em testes.” O dendê ainda é pouco utilizado na produção do biodiesel. O óleo produzido no país vai para a indústria alimentícia e de cosméticos. O mesmo acontece com a mamona, embora pese contra o óleo dessa planta um alto teor de viscosidade que dificulta o processo de obtenção de biodiesel. “Com relação ao dendê, a área plantada está sendo expandida no Pará para que, quando houver excedente de óleo, em alguns anos, ele possa ser destinado ao biodiesel”, conta Motoike.
“A produção de biodiesel a partir da macaúba tem boas perspectivas, não só devido à alta produção de óleo por hectare, mas também pelas propriedades físico-químicas que resultam em um biodiesel de alta qualidade”, explica a engenheira de alimentos Aldara da Silva César, professora e coordenadora do Grupo de Análise de Sistemas Agroindustriais da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Volta Redonda (RJ). Apesar disso, para ela, o óleo produzido poderia ser direcionado, principalmente para as indústrias farmacêutica e de cosméticos. “Atualmente, os retornos financeiros nesses setores são maiores do que se fossem usados para fazer biodiesel. Entretanto, desenvolver a coleta extrativista nas regiões onde a macaúba é nativa poderia incentivar a inclusão social que também é foco do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel”, sugere Aldara.
“Agora estamos selecionando os melhores exemplares de macaúba até chegar a uma variedade definitiva e produtiva”, explica Motoike. Isso é feito por cruzamento tradicional entre as melhores e mais produtivas plantas. Um dos estudos realizados em Viçosa é sobre a quebra da dormência das sementes de macaúba, um passo importante para o estabelecimento de uma cultura dessa palmácea. “Isso foi em 2007. A germinação das sementes chegava a 3% do total e, com o nosso método, que resultou em uma patente, atingimos 80%”, conta. A técnica usa um hormônio na semente que leva à pré-germinação.
Preservação do fruto
Um fator que pode prejudicar o óleo de macaúba é
a rápida acidificação do fruto. “O tempo para processar é de dois dias, depois eles começam
a acidificar”, explica a microbiologista Elisa Costa Cavalcanti, pós-graduanda do Instituto de Química
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em um grupo coordenado pela professora Denise Freire, Elisa conta que foram
realizados vários experimentos para que o fruto da macaúba pudesse ser preservado por mais dias. “O método
mais adequado é o autoclave, em que o fruto é aquecido e passa por secagem em uma estufa. Assim é possível
estocar por 180 dias”, afirma.
Aprender a preservar o fruto é importante também para competir com a soja, grão que pode ser estocado sem cuidados especiais por até seis meses e que tem um amplo mercado externo e interno. “Seu principal produto é o farelo, uma proteína, tanto para a indústria alimentícia como para a alimentação animal. Para obter o farelo é preciso espremer os grãos; o óleo é um subproduto desse processo, que é usado cada vez menos na cozinha”, explica o engenheiro agrônomo Décio Gazzoni, pesquisador da Embrapa Soja, em Londrina.
Há 10 anos, a esperança da produção do biodiesel eram as algas. Já existiam experimentos demonstrando que a massa de gordura extraída do cultivo de algas pode chegar a 50 mil l/ha. Mas o freio veio na área econômica. Em 2007 e 2008, várias empresas foram criadas, principalmente nos Estados Unidos, e a expectativa era de que o custo do processo de produção de biodiesel com algas iria cair. Houve redução de custos, mas não o suficiente para tornar o processo competitivo.
“O biocombustível de algas ficou inviável”, diz Sergio Goldemberg, sócio da Algae, empresa paulistana que desenvolveu tecnologia para a produção de gordura com microalgas cultivadas na vinhaça, um resíduo da produção de etanol de cana-de-açúcar (leia em Pesquisa FAPESP nº 186). Goldemberg agora procura outras aplicações para a produção das microalgas que se alimentam de vinhaça, como ração para animais e aditivos para cosméticos.
Enquanto a macaúba e o dendê não se tornarem alternativas viáveis, o biodiesel provavelmente continuará sendo produzido com subprodutos da agricultura e da indústria. Falta, segundo os especialistas, aproveitar o potencial do óleo de fritura utilizado em residências, restaurantes e indústrias do país. O que não é usado é jogado nos ralos e esgotos ou mesmo em cursos d´água. “A coleta de óleo é um desafio porque ainda é muito pulverizada em pequenas unidades ao longo de uma cidade”, analisa Aldara.
Fonte: FAPESP
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