Genética e manejo alteram teor de cafeína em plantas de erva-mate
Publicado em 29/03/2016
Tradicionalmente associada ao consumo de chimarrão e chás, a erva-mate pode ganhar mais utilidades nos
mercados de alimentos, cosméticos e detergentes. Pesquisadores da Embrapa estão trabalhando no desenvolvimento
de plantas com teores conhecidos de cafeína e outros componentes de interesse, como teobromina e compostos fenólicos
(antioxidantes).
"Plantas com índices de cafeína acima de 2,0% já são consideradas com alto teor da substância
e, em nossas pesquisas, encontramos plantas que apresentam naturalmente índices de até 3,0%", revela a pesquisadora
Cristiane Helm, da Embrapa Florestas (PR).
O estudo também descobriu que a genética da planta é responsável por 60% desse tipo de característica.
"Trabalhamos, agora, para identificar as condições ambientais que completam este potencial", explica o pesquisador
da Embrapa Ivar Wendling, da mesma Unidade de pesquisa. Segundo ele, com algumas ações de manejo e cultivo
diferenciado, é possível obter plantas com mais de 5% de cafeína. Além da cafeína, do grupo
das metilxantinas, encontradas em diversas plantas e que são uma das responsáveis pelo sabor amargo e pelo efeito
psicoativo, também tem destaque na erva-mate a teobromina. Além disso, compostos fenólicos, como
os flavonoides, também compõem a pesquisa.
Essas descobertas podem revolucionar o sistema de produção da erva-mate e a forma de consumo, pois abrem
caminho para uma variada gama de novos produtos. Existe potencial para desenvolvimento em diferentes frentes: da cafeína,
com bebidas e alimentos energéticos ou descafeinados; da teobromina, com produtos como relaxantes musculares, diuréticos
e vasodilatadores; e com compostos fenólicos, os flavonoides, que são antioxidantes e podem trazer benefícios
para a saúde, além de aprimorar a composição nutricional e sensorial dos alimentos, bem como ajudar
em sua conservação.
Outra linha promissora que começa a ser pesquisada é a da saponina, utilizada em produtos de limpeza e
em rações para animais. Em todas essas áreas, o uso da erva-mate como matéria-prima poderá
fazer com que esses produtos tenham um apelo mais natural, que tem sido muito procurado pelos consumidores. Hoje, por exemplo,
alguns produtos passam por processos químicos para serem descafeinados.
"A pesquisa cumpre o papel de disponibilizar novos materiais genéticos e descobrir novos usos para a erva-mate
em ‘escala de bancada'. Mas, para chegar até o produto, precisamos firmar parcerias com o setor industrial para
estudos em escala-piloto e, posteriormente, avaliar a produção em escala industrial", explica Miguel Haliski,
do Setor de Prospecção e Avaliação Tecnológica da Embrapa Florestas. "Não adianta
produzir cultivares diferenciadas se o mercado ainda está focado somente em chimarrão ou chá na
forma em que conhecemos", analisa.
A intenção é obter uma matéria-prima que apresente naturalmente o teor desejado da substância
almejada, com base nas cultivares da Embrapa já em desenvolvimento avançado. Cristiane Helm completa que o interesse
internacional por compostos bioativos com propriedades terapêuticas aumenta a cada dia, e há consumo crescente
na América do Norte e Europa. "Em breve, será possível cultivar a erva-mate pensando nesses mercados.
Mas, para isso, é necessário que em paralelo tenhamos o desenvolvimento de produtos diferenciados com a erva-mate",
analisa. Com a possibilidade de cultivares diferenciadas em seus compostos, a perspectiva é criar nichos de mercado
para produtos com apelo mais saudável. Para Cristiane, a erva-mate pode seguir o mesmo caminho do café, que
hoje é encontrado com diferentes teores de cafeína ou descafeinado.
Fonte de mais de 200 compostos
A pesquisa já encontrou mais de 200 componentes na erva-mate, mostrando o potencial da planta. Por apresentar
esta composição química ampla, é possível vislumbrar novos mercados para a erva-mate e
também o aumento do valor agregado do produto.
Cultura nativa do Brasil, Argentina e Paraguai, a erva-mate é matéria-prima para chás e chimarrão,
em especial no Sul do País. É plantada por cerca de 180 mil agricultores familiares no Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, mas ainda em sistema de cultivo tradicional, com nenhum ou pouco grau de
melhoramento genético. Também existe extrativismo em áreas de ocorrência natural. Independentemente
do sistema de produção, a colheita geralmente é enviada a uma empresa especializada, chamada ervateira,
para beneficiamento do produto.
Com o desenvolvimento dessas cultivares, mesmo o tradicional mercado de chimarrão pode ser beneficiado. Hoje,
muitas pessoas não tomam a bebida no final da tarde por problemas de estômago ou por ela ser energética.
"Pode ser lançado um chimarrão naturalmente descafeinado, que poderá ser ingerido por essas pessoas",
explica a pesquisadora. De acordo com a Anvisa, para que um produto seja considerado descafeinado, o valor máximo
permitido de cafeína deve ser de 0,1% (g/100g), e, caso seja um descafeinado solúvel, o valor máximo
poderá chegar até 0,3% (g/100g). "Algumas plantas com as quais trabalhamos apresentam teores de 0,03%", demonstra.
A pesquisa propõe uma identificação de árvores-matrizes com boa produtividade e características
de interesse, como por exemplo o teor de cafeína. A partir disso, é feita a clonagem destas árvores pela
técnica de miniestaquia e a produção em viveiro ou canteiro. "Esta é outra inovação
que queremos propor", salienta Ivar Wendling. "O plantio em condições controladas vai ajudar o produtor a atender
nichos de mercado e assegurar maior qualidade ao produto", explica.
Para garantir a qualidade e padronização, é necessário trabalhar com clones dos materiais
selecionados, algo impensável em escala até dez anos atrás, quando não era possível clonar
a erva-mate de forma eficiente por causa dos baixos índices de enraizamento e qualidade do sistema radicular deficiente.
"Depois de 14 anos de pesquisa, conseguimos definir um protocolo de clonagem e assim garantir esta tecnologia aos viveiristas
e produtores", informa Wendling,
Outra inovação que se busca para os produtores é o desenvolvimento de equipamentos destinado ao
pré-processamento da erva-mate, para que o produtor entregue um produto ainda mais diferenciado às indústrias.
"Os equipamentos disponíveis hoje são para grande escala. Mas se o produtor vai atender nichos, ele também
terá condições de entregar um produto pré-processado, com qualidade", explica Miguel Haliski.
Com essa finalidade, são buscadas parcerias com empresas de equipamentos agrícolas e metalúrgicas.
Historicamente, a erva-mate tem sido fundamental para a economia de muitos municípios do Sul do Brasil e, atualmente,
é o principal produto não madeireiro do agronegócio florestal na região. O setor ervateiro, que
já teve um ciclo econômico no qual era chamado de "Ouro Verde", passou por um longo período de estagnação,
com consequente queda nos investimentos e no desenvolvimento de tecnologias. Atualmente, embora sem retomar as dimensões
do passado áureo, o mercado ervateiro vem mostrando reação positiva e a descoberta do potencial da erva-mate
pelo mercado internacional se mostra uma oportunidade de desenvolvimento.
O Brasil hoje produz cerca de 860 mil toneladas de erva-mate verde, sendo que Argentina (690 mil toneladas) e Paraguai
(85 mil toneladas) também cultivam a planta. Aproximadamente, 80% da produção brasileira de erva-mate
destina-se ao mercado interno, dos quais 96% são consumidos como chimarrão, e 4% na forma de chás e outros
usos.
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