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Publicado em 19/09/2014
Para muita gente o cafezinho é insubstituível. Em termos evolutivos, o grão que caiu no gosto brasileiro também é único. O sequenciamento do genoma completo do café, realizado por um consórcio internacional de pesquisadores com participação nacional, revela que a planta evoluiu independentemente de outros vegetais que também contêm cafeína, como o chá e o cacau. A análise permite ainda aperfeiçoar a produção do grão no Brasil.
O sequenciamento dos mais de 25 mil genes do café (número semelhante ao encontrado no corpo humano) foi concluído
em 2010. Mas só agora saíram os resultados dos primeiros estudos evolutivos com base no genoma da planta, publicados
esta semana na revista Science. A espécie de café analisada foi a Coffea canephora, originária da África
e uma das mais consumidas no mundo, com grande produção no Brasil – onde é usada principalmente
na fabricação de cafés solúveis.
Os pesquisadores deram especial atenção
para os genes que produzem enzimas ligadas à produção de cafeína, droga psicoativa mais popular
do mundo e grande atrativo do café. Ao olhar para a ordem e a localização desses genes, a equipe concluiu
que eles não foram herdados de um ancestral comum às plantas que contêm cafeína, como se pensava
anteriormente. Os genes associados à síntese de cafeína no café derivaram de rearranjos ocorridos
no genoma da própria planta ao longo dos anos, o que sugere que a substância teria surgido por dois caminhos
diferentes.
“O genoma do café nos ajuda a entender o que ele tem de excitante, além do fato
de nos acordar pela manhã”, disse em comunicado de imprensa um dos líderes do estudo, o geneticista Victor
Albert, da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos. “Ao olharmos para os genes e para a estrutura genética
do café, vemos como ele tomou um rumo independente em sua evolução.”
Os cientistas
acreditam que a cafeína foi selecionada naturalmente no café como uma adaptação para proteção.
Nas folhas da planta, a substância atua como um inseticida e, nos frutos e sementes, inibe a germinação
de outras espécies vegetais concorrentes.
A cafeína é uma daquelas substâncias que
divide opiniões entre os especialistas. Alguns estudos apontam para os malefícios do seu consumo, que pode levar
à insônia, ansiedade, gastrite e vício, enquanto outros destacam seus benefícios para a saúde.
Recentemente, uma pesquisa da Universidade Johns Hopkins mostrou que a ingestão de doses moderadas melhora a fixação
da memória de longo prazo.
O genoma do café foi comparado ainda ao da videira, do tomate e da Arabidopsis,
planta da família da mostarda comumente usada em estudos de biologia por ser o primeiro vegetal a ter o seu genoma
sequenciado. A confrontação com plantas tão diferentes serviu para identificar características
únicas do café.
Os cientistas observaram, por exemplo, que a planta tem seis genes ligados à
produção de ácido linoleico, o que é muito em comparação com apenas um gene encontrado
na Arabidopsis. Esse composto garante a preservação do aroma e do sabor após a torragem da planta.
Café selecionado
O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de
café e o segundo maior consumidor do grão. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no ano
passado, foram geradas 49,15 milhões de sacas de 60 kg de café, dos quais 10,8 milhões eram da espécie
Coffea canephora.
O estudo genético do café pode contribuir tanto para a quantidade quanto para
a qualidade da produção nacional do grão. Em 2004, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) já havia concluído o genoma funcional de três espécies de café. Esse tipo de análise
permitiu ver a sequência de genes das plantas, mas não ter noção da localização de
cada gene dentro dos cromossomos, o que não possibilitava uma visão completa e evolutiva do café.
O genoma completo do café, que também teve participação de pesquisadores da Embrapa,
serve de referência para o melhoramento genético por seleção de plantas, ou seja, a escolha dos
melhores indivíduos para plantio.
“Assim como a medicina consegue olhar para o genoma de um indivíduo
e identificar genes e mutações ligadas ao risco de doenças, conseguimos fazer o mesmo com o café”,
explica o agrônomo Alan Carvalho Andrade, coordenador do estudo no Brasil. “Comparamos o genoma de referência
com o de um indivíduo e anotamos as diferenças importantes.”
Os pesquisadores buscam descartar
plantas com problemas e ficar com aquelas que têm genes ligados à resistência à seca e a doenças,
à alta produtividade e também a características melhores de aroma e sabor. Como o sequenciamento do genoma
foi concluído em 2010, de lá para cá, eles já analisaram mais de 500 cafeeiros em busca dessas
vantagens. A meta é chegar a 3 mil.
Com essa triagem, não é preciso investir na pesquisa
de plantas geneticamente modificadas para ter uma boa safra, com vinha sendo feito pelo país desde 2000. Além
de ser um processo mais demorado e caro, a modificação genética tem suscitado questionamentos da sociedade
em relação a sua segurança para a saúde e o meio ambiente.
“Temos muita variabilidade
na natureza que podemos explorar de forma muito mais eficiente e rápida”, diz Andrade. “As pesquisas aplicadas
de melhoramento já estão bem avançadas e vão garantir que tenhamos um café de melhor qualidade
e resistente às mudanças climáticas, para que possamos continuar nos deliciando em nossas manhãs.”
Fonte: Fundação Araucária
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