Paraná dá exemplo de mobilização
Acabar com a fome, universalizar o acesso à educação, promover a igualdade entre os sexos,
reduzir os índices de mortalidade infantil, melhorar a saúde das gestantes, combater a aids e garantir o desenvolvimento
sem agressões ao meio ambiente. Esses são os objetivos para o milênio, traçados pela Organização
das Nações Unidas (ONU), para todo o mundo. Ao longo da semana passada, a Gazeta do Povo fez um balanço
do que já foi alcançado no Brasil e no Paraná. São resultados que dependem de muita informação
e articulação. É disso que trata a oitava meta do milênio: envolver a sociedade em torno dos sete
primeiros objetivos. A boa notícia para os paranaenses é que as iniciativas desenvolvidas no estado para divulgar
as metas são consideradas referência pelo Programa das Nações Unidas no Brasil.
O trabalho começou em 2005, quando foi criado o “Movimento Nós Podemos Paraná”, com apoio da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) e do Serviço Social da Indústria (Sesi). O movimento tem 19 núcleos regionais e desde 2006 foram realizados 40 “círculos de diálogo” em diferentes cidades do estado, com a participação de aproximadamente 9 mil pessoas. Neste ano foram sete encontros e a idéia é chegar ao fim de dezembro com 26 reuniões realizadas. A próxima será na terça-feira, em Cascavel, no Oeste. Segundo a coordenadora do movimento, Maria Aparecida Zago Udenal, dos 189 projetos que têm relação com as metas do milênio mapeadas no estado, 77 surgiram depois do início dos círculos.
“O oitavo objetivo é a construção de parcerias. Informamos as pessoas acerca das metas do milênio e seus indicadores, para que todos se sensibilizem”, afirma Maria Aparecida. Outras atribuições do movimento são orientar a formatação de projetos e formar voluntários. “Às vezes, instituições e pequenas prefeituras têm boas idéias, mas não as registram. O objetivo é transformar a ação em um projeto, para que as pessoas possam acompanhar os resultados”, diz. O movimento promove oficinas de elaboração de projetos e neste ano iniciou um trabalho de formação de voluntários.
Para a oficial brasileira do Programa da ONU para o Desenvolvimento, Ana Rosa Monteiro Soares, o ideal seria outros estados adotarem práticas semelhantes. “O Paraná é referência. São iniciativas que gostaríamos de ver em todos os estados”, afirma. “Foi o único estado em que o programa pegou de maneira tão ampla para alcançar a sociedade, envolver o governo local e o governo federal. Em outros estados, o movimento foi perdendo a força.” Segundo Ana Rosa, a média do Brasil em relação ao cumprimento das metas é boa, mas a realidade muda à medida em que se chega aos pequenos municípios. “O grande desafio é não trabalhar com médias. Quando chegamos aos municípios, ainda há problemas.”
Os resultados do trabalho do “Movimento Nós Podemos Paraná” não ficam restritos às reuniões. Um novo exemplo surgiu na última quinta-feira, quando foi inaugurada a Associação de Artesanato Mulheres do Rio Bonito, na região Sul de Curitiba. Com apoio da organização não-governamental Ação Social do Paraná, um grupo de 25 mulheres começou a produzir artesanato depois de discussões sobre os objetivos do milênio. “Quando conhecemos as oito metas, vimos que podíamos ajudar dentro da nossa comunidade”, diz a presidente da associação, Iranildes de Almeida.
A Ação Social foi fundada em 1944, mas o foco mudou depois que a ONU divulgou os objetivos do milênio. Hoje, são várias ações, que incluem “brinquedotecas”, em que alunos da rede pública de ensino participam de brincadeiras e têm acesso à informática e aulas de reforço. “Passamos a fazer planos de ação já orientados para cumprir as metas. Foi uma questão de organização. Com o objetivo 8, nos qualificamos para trabalhar com redes sociais, com lideranças comunitárias”, explica Luciano Planca, da Ação Social.
Em Londrina, no Norte do estado, o resultado já pode ser visto nos supermercados: a partir de uma parceria com o Sindicato da Panificação na cidade, uma cooperativa de costureiras vem produzindo sacolas “ecologicamente corretas” com sacos de farinha, feitos de ráfia. Com isso, os consumidores podem dispensar os saquinhos de plástico, prejudiciais ao meio ambiente. A renda obtida com a venda das sacolas é revertida para projetos de contraturno escolar. “Trabalhamos quatro objetivos: geramos renda, ajudamos no reforço escolar, reduzimos a poluição e fazemos o negócio em rede”, afirma Luís Cláudio Galhardi, do Sesi. Quinze costureiras participaram do programa e outras 65 deverão ser incorporadas.
Para Galhardi, é fundamental informar sobre os objetivos – tanto que as sacolas têm informações sobre os oito tópicos. “Da forma como a ONU colocou, os objetivos são desconhecidos. Às vezes as pessoas fazem um trabalho, mas não sabem que estão colaborando.”
Gravidez
Em Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais, os objetivos do milênio mudaram o trabalho de prevenção da gravidez entre adolescentes. “Antes, trabalhávamos dentro do objetivo 6. Agora abordamos o 3, de valorização da mulher”, explica o professor Nelson Canabarro, voluntário no núcleo regional. Outro projeto desenvolvido na cidade envolve 15 deficientes visuais, que fazem bijuterias. “Eles estão vendendo e já estão conseguindo sustentabilidade. Para cada real investido, conseguimos R$ 4”, afirma Canabarro. O núcleo também tem um programa para reciclagem de sacolas de ráfia. “Os projetos atendem o objetivo 8, que acaba atingindo todos os demais”, comenta o coordenador.
Em Apuracana, no Norte, os debates sobre os objetivos do milênio resultaram na primeira lei de responsabilidade social do país. Só podem ser fornecedoras da prefeitura as empresas que ganham um certificado. Elas devem apresentar certidões da Delegacia Regional do Trabalho e de órgãos ambientais, que atestem que cumprem as leis trabalhistas e não poluem, um relatório de atividades sociais e uma carta de adesão ao pacto global da ONU. “A partir das discussões sobre os objetivos do milênio, em 26 células comunitárias, nos perguntamos por que não propor uma adesão às empresas”, afirma o prefeito Valter Pegorer (PMDB). “Em três anos, cheguei a enfrentar problemas com as empresas. Mas o meu sonho é que essa iniciativa se torne uma lei federal.”
Serviço
Os interessados em conhecer mais sobre os objetivos do milênio, participar dos círculos de discussão ou atuar como voluntário podem entrar em contato com o Movimento Nós Podemos Paraná, pelo telefone 0800-646-0008 ou pelo e-mail odm@fiepr.org.br.
Economia aberta e sem protecionismo
Círculos de diálogo, oficinas para a formatação de projetos e trabalhos para a formação
de voluntários foram as formas encontradas para aproximar o oitavo objetivo do milênio da sociedade e facilitar
a assimilação dos conceitos das metas anteriores. Mas a oitava meta da ONU é bem mais ampla. O texto
oficial fala no estabelecimento de uma “parceria mundial”, que inclui o desenvolvimento de um “sistema comercial
financeiro aberto”, a identificação de necessidades especiais dos países menos desenvolvidos, a
criação de estratégias que facilitem o ingresso dos jovens no mercado de trabalho e a adoção
de uma nova visão em relação às dívidas dos países mais pobres. Ou seja: originalmente,
a meta depende mais das relações entre os governos e da atuação da Organização Mundial
do Comércio (OMC).
“Os benefícios que os países terão dependem muito mais da OMC. (O oitavo objetivo) seria uma mera coincidência positiva das negociações internacionais”, explica Masimo Della Justina, professor de Ciências Econômicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. “A meta seria atendida na medida em que a OMC levasse negociações a cabo e chegasse a um novo acordo global. Esse objetivo do milênio fica mais abstrato na intenção, até o momento em que as rodadas de negociação aconteçam.”
Para o professor, o Brasil ainda precisa evoluir para atingir o ponto da oitava meta que prega uma maior abertura econômica, com menos protecionismo a produtores locais. “Para efeitos de protecionismo, os especialistas consideram Venezuela, Equador e Brasil os países mais fechados do continente americano”, diz Della Justina. “Não adianta um país assinar um acordo comercial se não trabalhar sua estrutura de mercado, se permitir que monopólios e oligopólios continuem, porque o poder político decorre do poder econômico. Temos democracia política, mas não temos democracia econômica.” Outro ponto levantado pelo professor é a falta de um plano estratégico para o país. “É preciso um plano, para definir quais setores econômicos podem sobreviver no comércio global a longo prazo.”
Como algumas das metas do oitavo objetivo são consideradas abstratas, o Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis) no Paraná, oscip (organização da sociedade civil de interesse público) que tem apoio da Fiep, estabeleceu alguns índices. Entre eles estão o porcentual de domicílios com acesso a serviços de comunicação e informação e a freqüência de acessos à internet, com base em dados de 2005 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mostrou que 17,6% da população paranaense tinha acesso à internet e 2005, e 23,2 % a computadores. Outro índice é o porcentual de jovens entre 15 e 24 anos que têm ocupação. Em 2005, o índice era de 73% no estado.
“Como não existiam metas mensuráveis, criamos metas, para termos uma leitura dos indicadores”, afirma Alby Rocha, estatístico e coordenador de projetos técnicos do Orbis. “O problema é que as metas não têm um valor, mas analisamos que o acesso de 17% das pessoas à internet, por exemplo, é baixo.” É aí que entra o oitavo objetivo da ONU. “É um trabalho de articulação para se alcançar os outros sete. O oitavo objetivo vê a questão de uma forma mais geral. O objetivo é dar condições e articular, para que todos cresçam no mesmo nível.”
Fonte: Gazeta do Povo
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