Mulher de 40 é o novo alvo da aids
A incidência da doença no Brasil apresentou queda nos últimos anos, mas, segundo especialistas, o número
de casos ainda está muido acima do tolerável
De 1980, quando foi diagnosticado o primeiro caso de aids no Brasil, até 2006, 433.067 pessoas contraíram a doença no país. Nos últimos anos, a proporção de infectados se manteve relativamente estável. A taxa de prevalência entre brasileiros na faixa etária dos 15 aos 49 anos permaneceu em 0,6%. Já o perfil dos infectados mudou: a aids chegou às cidades do interior e avançou entre mulheres de 40 a 49 anos. Em contrapartida, a epidemia recuou entre as mulheres mais jovens e os usuários de drogas.
O sexto objetivo do milênio, estabelecido entre os países membros das Nações Unidas, prevê o controle da propagação do HIV/Aids até 2015. Os números mostram que desde 2003, a incidência de aids para grupos de 100 mil brasileiros tem apresentado uma pequena tendência de queda. Em 1999, a incidência da doença no Brasil era de 15,86 a cada 100 mil habitantes. Em 2003, esse número chegou a 21,29 e, em 2005, voltou a cair para 15,05. No Paraná a variação foi similar: em 1999, o estado tinha uma incidência de 16,25 casos a cada 100 mil habitantes; passou para 20,88, em 2003 e caiu para 13,02, em 2005.
Ao contrário dos objetivos quatro e cinco, que prevêem reduções específicas nas taxas de mortalidade infantil e materna, o objetivo seis determina o combate ao HIV, sem especificar uma redução exata na incidência da doença. “A meta é diminuir a quantidade de novos casos por ano”, diz a coordenadora do Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis), Luciana Brenner. Dentro desta perspectiva, Brasil e Paraná podem se considerar no caminho.
Entretanto, para a professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Paraná, Rita Esmanhoto, é complicado fazer um prognóstico sobre a epidemia de aids. Segundo ela, a aids precisa ser encarada como uma doença social. “Não dá para caminhar sozinho. Enquanto os outros objetivos como o acesso à educação, a igualdade entre os sexos e o combate a pobreza não forem atingidos será difícil atingir a meta de combate à aids”, afirma.
Para ela, a dificuldade na projeção está na instabilidade dos comportamentos sociais. “Antes quem se contaminava eram jovens homossexuais e usuários de drogas. Foi então feito um trabalho muito grande com esses grupos e eles se tornaram mais conscientes. Mas esqueceu-se dos outros. Sexo é uma coisa que todo mundo faz”, diz. “As mulheres com o tempo se mostraram um grupo muito vulnerável, seja sob a ótica social, biológica, cultural ou religiosa. As pessoas da terceira idade também. E o que a gente vê hoje é que até mesmo os jovens homossexuais voltaram a se contaminar, por considerar que a doença não é mais tão perigosa”, complementa. Por causa de todas essas variáveis, Rita considera difícil prever o comportamento da epidemia nos próximos sete anos. Apesar da redução na incidência observada nos últimos anos, ela considera que “os números ainda são muito altos para serem considerados toleráveis do ponto de vista humano e econômico”. Para ela, embora os tratamentos existentes hoje sejam capazes de proporcionar uma sobrevida alta, é preciso considerar as implicações econômicas. “É um dinheiro que poderia estar sendo gasto na prevenção. A aids não mata mais, mas tem um custo para toda a sociedade”, afirma.
Combate à doença
Para o coordenador da Unidade de Informação e Vigilância do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, Gerson Fernando Mendes Pereira, a redução na incidência pode ser explicada pela Política Nacional de Redução de Danos, que distribui kits para usuários de drogas. “Houve também uma modificação no padrão das drogas consumidas. Observamos uma diminuição no uso de drogas injetáveis, que foram substituídas pelas demais formas de uso”, afirma.
Segundo o último relatório de acompanhamento sobre os objetivos do milênio, feito no ano passado, a mortalidade por aids também tem demonstrado sinais de declínio no Brasil desde 1996, quando foi criada a política de universalização do acesso ao tratamento anti-retroviral. O relatório aponta que a taxa que era de 9,6 mortes para cada 100 mil habitantes em 1996, caiu para 6,0 em 2005.
Além da oferta de tratamento gratuito, o governo federal desenvolveu uma série de ações de prevenção à doença. Pelo menos duas vezes por ano (no Carnaval e no Dia Mundial de Luta contra a Aids, em 1º de Dezembro) são feitas campanhas para o público geral. Para as populações específicas, como gays, profissionais do sexo e populações móveis (caminhoneiros), são feitas ações específicas com a contribuição da sociedade civil.
No Paraná, a Secretaria de Estado da Saúde destina uma verba extra para ações de prevenção em 26 municípios considerados prioritários, por concentrarem as maiores incidências da doença. Paranaguá é a primeira cidade do ranking. “A incidência de aids lá é muito alta por causa do porto, que concentra prostituição e uso de drogas”, observa a técnica do programa de DST/Aids da secretaria, Wilsa Zenere.
Curitiba concentra hoje 51% dos casos de aids do estado. Desde 1984, foram registrados 7.523 casos na capital. Seguindo a tendência nacional de feminilização, hoje a proporção é de dois homens infectados para cada mulher. Na década de 80 era de 16 homens para cada mulher. Desde 2002, todas as unidades de saúde oferecem o teste de sorologia. Em 2006, o município passou a oferecer também o teste rápido que dá o resultado em apenas 40 minutos. “Utilizamos esses testes principalmente nas gestantes atendidas pelo Programa Mãe Curitibana. Antes do parto elas são testadas, com isso já conseguimos evitar que cerca de 200 bebês fossem infectados”, conta a coordenadora do Programa de DST/AIDS do município, Mariana Thomaz.
“A traição é pior do que a aids”
“A dor da traição me dói mais do que saber que eu tenho o vírus HIV.” A declaração é de A.V.T, 51 anos, que no início de 2007 descobriu que, assim como o marido, com quem está casada há 30 anos, é portadora do vírus da aids. Ela e muitas brasileiras engordam as estatísticas de mulheres de meia idade, heterossexuais, casadas, que descobrem que foram contaminadas pelos maridos.
“Quando pegamos o resultado dos exames dele, eu já sabia que também estava doente. Não tinha como não estar. Estamos casados há 30 anos, só tenho ele de parceiro, mas não usávamos preservativo”, lembra. A notícia abalou o casamento e o dia-a-dia da família. “Ele ficou cinco dias sem sair do quarto, sem ter coragem de falar com ninguém. Depois contamos para nossos filhos, mas eu nunca ouvi um pedido de desculpas por parte dele”, conta. Mesmo depois de um ano, o marido, que é caminhoneiro, se recusa a conversar sobre o assunto. Apenas diz que não sabe como se contaminou. “Ele se nega a falar, é agressivo, temos brigado bastante”, diz. Apesar da relação abalada, ela diz que não pensa em separação. “Acho que ninguém se contamina porque quer. Agora já aconteceu, tenho que levar minha vida adiante porque tenho uma meta, algo que me motiva, que é a minha formatura como assistente social no dia 5 de dezembro”, afirma.
Meta inclui hanseníase, malária e tuberculose
Além do combate ao HIV, o sexto objetivo do milênio prevê ainda a redução da incidência de malária e outras doenças. No caso do Paraná, a meta inclui tuberculose e hanseníase. Em território paranaense, a malária está controlada: a incidência da doença no estado é de 0,02 a cada 100 mil habitantes. Todos os casos registrados nos últimos anos são importados. “Temos 34 laboratórios que fazem o diagnóstico e fazemos um trabalho de vigilância epidemiológica principalmente nas regiões próximas à fronteira do Paraguai”, afirma o chefe do Departamento de Saúde Ambiental da Secretaria Estadual da Saúde, Natal Camargo.
No Brasil, quase a totalidade dos casos de malária (99,5%) ficam concentrados na chamada Amazônia Legal, formada pelos sete estados da Região Norte e por parte do Mato Grosso e Maranhão. De 1999 a 2002, a incidência diminuiu na região; foram 350 mil casos. Em 2003, o número de casos cresceu e em 2006 voltou a cair.
As taxas de tuberculose também tiveram um pequeno recuo no Brasil. Em 2000 eram 41,2 casos a cada 100 mil habitantes.
Em 2005 o número foi de 40,2. O Paraná tem uma das menores incidências do país. Segundo a médica do Programa de Controle à Tuberculose da Secretaria, Betina Gabardo, as ações desenvolvidas focam principalmente o diagnóstico precoce. Apesar dos esforços, ela considera alta a taxa de mortalidade no estado, que é de 10%. “É muito para uma doença que tem tratamento capaz de curar em 98% dos casos”, diz. A dificuldade está na adesão ao tratamento. Em média, 8% dos pacientes do Paraná desistem antes de completar os seis meses de tratamento. A Organização Mundial da Saúde recomenda que a taxa de abandono seja inferior a 5%.
Para os casos de hanseníase, a meta estipulada pela OMS é de menos de um doente em cada 10 mil habitantes. Em 2007, o coeficiente de detecção no Brasil foi de 1.48. No Paraná a taxa é de 1.2, e vem caindo a cada ano. “Fazemos anualmente campanha de esclarecimento da população a respeito da doença e trabalhamos com a capacitação das equipes municipais para disseminação das estratégias de prevenção e detecção precoce, visando cortar a cadeia epidemiológica da doença”, diz a coordenadora do programa de Hanseníase da Secretaria, Nivéra Stremel.
Fonte: Gazeta do Povo
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