Mulheres que lutam com lobos
Elas são mais da metade da população, mas ainda são poucas nos parlamentos. No Brasil, machismo
na política agrava a luta entre os sexos
Um em cada cinco parlamentares eleitos em 2005 é mulher, o que elevou a participação feminina nos parlamentos ao redor no mundo para 17% do total de vagas. No Brasil, isso não aconteceu. Na Câmara dos Deputados, das 513 vagas, apenas 46 são ocupadas por mulheres, o que representa 8,9% do total. No Senado, a situação é um pouco melhor: das 81 cadeiras, 10 são ocupadas por elas, ou seja, 12%. Essa porcentagem, além de ser menor do que a proporção mundial, está muito longe da ideal, que seria de, pelo menos, 50%, já que pouco mais da metade da população mundial é composta por mulheres.
Passados oito anos da assinatura dos Oito Objetivos do Milênio, esse cenário mostra como o Brasil está longe de cumprir o terceiro deles, que busca a igualdade entre os sexos e a valorização da mulher e tem como um de seus indicadores a proporção de mulheres exercendo mandatos no parlamento nacional. “Apesar de leis específicas que estabelecem cotas para a participação das mulheres na política, a desigualdade de gêneros no que se refere ao número de cadeiras parlamentares é a maior de toda a América do Sul, superando até mesmo a média africana”, informa a equipe das Organizações das Nações Unidas (ONU) no Brasil no documento Avaliação Conjunta do País, de 2005.
O relatório vai além. “Durante a década de 1980, avanços progressivos com relação à educação das mulheres resultaram na inversão do hiato educacional entre os gêneros. A discriminação de gênero é mais óbvia no que concerne à participação das mulheres no mercado de trabalho, em que prevalecem a segregação ocupacional.”
A gerente de programas da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres, Elizabeth Saar, explica que esse objetivo é muito amplo. “O terceiro objetivo envolve todos os outros sete. As mulheres são mais pobres que os homens. Portanto, qualquer atividade para diminuir a pobreza ou a mortalidade materna, por exemplo, está especificamente tratando das mulheres”, diz.
Essa baixa representatividade na política nacional, principalmente se comparada à de outros países, como a Argentina, onde as mulheres chegam a ocupar 30% das cadeiras no parlamento, pode ser explicada pelo mau desempenho em outro indicador, o da porcentagem de mulheres assalariadas no setor não-agrícola. Entre 1992 e 2005, houve uma progressiva participação das mulheres no mercado de trabalho, mas, enquanto 73,4% dos homens trabalhavam ou estavam à procura de emprego em 2005, apenas 52,9% delas estavam na mesma situação. Além disso, as mulheres brasileiras recebem, em média, 60% do salário dos homens segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006.
Isso acontece apesar de as mulheres terem ultrapassado os homens no quesito escolaridade. Hoje, de acordo com a Pnad 2006, elas têm melhor qualificação do que eles, mas são os homens que têm mais acesso a cargos mais altos e mais bem-remunerados em empresas privadas.
O cientista político do Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF), Leonardo Barreto, afirma que, na sociedade brasileira, o poder político reflete a estrutura de preconceitos que ainda existe na sociedade. “Tem pouca mulher no parlamento porque tem poucas mulheres se engajando na política. Isso se dá porque a sociedade ainda tem um conjunto de preconceitos. A política é um ambiente muito machista”, diz. Ainda de acordo com Barreto, mesmo as mulheres que estão no Congresso não conseguem ser relatoras ou atuar em projetos que tenham importância central para o governo. “A atuação delas fica limitada a assuntos ligados às próprias mulheres. A exceção talvez seja a Ideli Salvati (PT-SC) que ocupou o cargo de líder do governo no senado federal”, afirma.
Para ter mudanças nesse quadro, há duas coisas a serem feitas, segundo o professor. “O primeiro é resolver esse problema de acesso, com políticas voltadas para a mulher e corrigir essa diferença de salários entre homens e mulheres dentro das empresas privadas. Uma série de ações afirmativas para que elas ocupem um status socioeconômico igual ao dos homens”, diz.
O segundo caminho é criar um sistema de cotas efetivo. “Hoje a legislação estabelece que cada partido deve ter 30% de candidatas, mas o partido que não cumpre esse requisito não sofre punição nenhuma. O fato de ter uma porcentagem de candidaturas não significa ter um grande número de eleitas”, explica Barreto. “Se tornaria efetivo se fosse reserva de vagas. Olha, a partir de agora, 30% no mínimo vão ser obrigatoriamente preenchidas por mulheres. Essa seria uma forma de corrigir esse desvio via uma forma política”, diz.
Elizabeth Saar informa que a Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres já está trabalhando com esse problema. “Elas estão lá, em sindicatos, partidos. Mas não estão empoderadas suficientemente para participar da direção. A secretaria está preocupada com isso. Criamos um comitê para eliminação de todas as formas de discriminação”, afirma.
A “Maria” que quebrou tabus na Itaipu
Apesar de toda a dificuldade enfrentada pelas mulheres para terem salários equiparados aos dos homens e de ocupar cargos
de comando, elas têm, aos poucos, chegado a posições antes apenas ocupadas por eles.
É o caso de Regiane Maria Biassu, a mais nova agente de Segurança da Itaipu Binacional em Foz do Iguaçu, posição que em 34 anos de história da hidrelétrica nunca antes havia sido ocupada por uma mulher.
Aos 34 anos, casada e com uma filha de 6 anos, Regiane gosta de quebrar tabus. Ela, que hoje é a única mulher entre os 130 empregados da área de segurança da hidrelétrica, fez parte da primeira turma exclusivamente feminina da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu. “Fui da guarda municipal por dois anos. Lá também fui da primeira turma feminina que a guarda teve. Trinta e duas mulheres. E aqui estou só. Espero que não seja única mulher por muito tempo”, diz, com empolgação.
Regiane conta que foi muito bem tratada desde que começou o treinamento na empresa, há uma semana. “Até agora, só tenho a agradecer todo mundo. Até então, a aceitação tem sido muito boa por parte de todos.”
A única situação um pouco fora do comum foi a prova da farda e do coturno. “Calço normalmente 38, porque sou altona, tenho 1,73m. Mas, no caso de sapato masculino como é o coturno, teria de ser o 37. Como não tinha nenhum nem outro, calcei o 39. Ficou meio grande, mas eles vão conseguir o meu número”, diverte-se.
Paraná acerta contas com sexo feminino
No Paraná, a maior disparidade entre homens e mulheres também está concentrada no campo da política. O estado está em 23º lugar em pior participação feminina na política, de acordo com a coordenadora do Movimento Nós Podemos Paraná, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Maria Aparecida Zago. Prova disso é o fato de o estado não ter nenhuma mulher na Câmara dos Deputados nem no Senado Federal em Brasília. “Essa é uma luta grande. Fazer um movimento para capacitar as mulheres. Para sermos líderes e ao mesmo tempo disputarmos esses cargos públicos”, diz Maria Aparecida.
Um exemplo de trabalho em busca dessa mudança é o Comitê Multipartidário das Mulheres, uma articulação de mulheres que fazem parte de partidos políticos e procuram uma participação mais pró-ativa. Maria Goretti Lopes, membro da coordenação colegiada do comitê, explica que elas se reúnem para discutir as questões comuns aos partidos políticos.
Nos outros indicadores do terceiro Objetivo do Milênio, o Paraná está acima da média nacional. “A meta da ONU de eliminar a disparidade entre os sexos no ensino fundamental e médio até 2015 já foi atingida, e com folga, porque aqui no Paraná nós não temos dificuldade de acesso às escolas. A razão de mulheres alfabetizadas já é até maior do que a de homens”, explica Maria Aparecida.
78% x 60%
Outro ponto que evoluiu no estado foi a participação feminina no emprego não-agrícola. “Melhorou consideravelmente de 1990 para 2005. Em 90, elas ocupavam 35% das vagas de emprego. Em 2005, de cada 100 vagas de emprego, 42 eram das mulheres”, conta a representante do movimento. Além disso, em uma comparação com a média nacional, as paranaenses recebem cerca de 78% dos salários dos homens, contra 60% das brasileiras.
Hoje, já há empresas que se preocupam em trabalhar a questão de gênero com seus funcionários e implantar políticas focadas nas diferenças e igualdades entre homens e mulheres. Elas trabalham com foco nos Objetivos do Milênio. Um exemplo que apresenta resultados é a Itaipu Binacional.
O programa está centrado em vários eixos e documentos nacionais e internacionais como a Agenda 21 das mulheres, os Objetivos do Milênio e o Plano Nacional de Políticas para as mulheres. A partir desses acordos o programa é estruturado. “A ousadia da Itaipu em buscar a igualdade com respeito às diferenças fez do Programa Incentivo à Eqüidade de Gênero um marco no reconhecimento do trabalho feminino e das relações de gênero na empresa”, diz Maria Helena Guarezi, coordenadora do programa que é aplicado tanto no Brasil quanto no Paraguai.
Segundo ela, a Itaipu faz um trabalho de olhar para dentro na gestão de cultura empresarial para ver como implementa a eqüidade de gênero. “O programa evoluiu muito desde o seu início. Hoje, é mais do que um programa, é um tema transversal nas áreas e nos programas de responsabilidade socioambiental ligados à gestão de pessoal e cultura organizacional”, explica.
Um exemplo de conquista do programa é o horário móvel, que permite que mulheres com filhos na escola possam chegar um pouco mais tarde ao trabalho e depois compensem o horário no fim do dia. A medida fez tanto sucesso que já foi estendida aos homens que trabalham na hidrelétrica.
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