O que o Brasil e o Paraná têm feito para alcançar os oito objetivos do milênio, lançados pela ONU em 2000?
O marceneiro desempregado Júlio Carlos de Amorim, 38 anos, desconhece a qual Brasil pertence. Não
que sofra de alguma crise existencial, mas é que até estudiosos do assunto divergem sobre o lugar dele na sociedade.
Júlio mora com a mulher e três filhos num casebre de dois quartos, sala e cozinha na invasão da Vila Pantanal,
em Curitiba. Tudo é de segunda mão, a luz clandestina vem direto da rede pública e o entorno do barraco
está tomado por lixo e esgoto. Apesar de a realidade dizer o contrário, Júlio não é considerado
pobre pelos órgãos, oficiais ou não, que estabelecem quem é pobre ou não no Brasil.
A renda familiar per capita é de R$ 160, resultado do rateio dos R$ 500 do salário fixo da mulher, Luiza, repositora
em supermercado, e dos R$ 300 dos bicos de Júlio, que faz gaiolas de passarinho. As condições de moradia
são idênticas às da vizinha Rosilda Gomes Padilha, 35 anos, e seus cinco filhos, estes sim considerados
abaixo da linha da miséria. A diferença entre um e outro é que os R$ 110 do Bolsa Família de Rosilda,
mais os R$ 120 mensais da coleta de lixo, dão uma renda de apenas R$ 38 mensais para cada membro da família.
As proles de Júlio e de Rosilda fazem parte das desigualdades nacionais.
O problema, porém, não é exclusivo do Brasil. Por isso, em 2000, a Organização das Nações
Unidas (ONU) lançou os oito objetivos do milênio, metas assumidas por 189 países. A primeira é
reduzir pela metade até 2015 o porcentual da população que estava em situação de miséria
em 1990. Em 2005, o governo brasileiro foi além e se comprometeu a baixar a pobreza extrema a 25% do total existente
em 1990, além de acabar com a fome no país até 2015. Contudo, os diferentes métodos e bases de
cálculo usados pelos órgãos que medem os índices de pobreza apresentam discrepâncias.
Pelos critérios da ONU, que considera extremamente pobre ou indigente quem vive com menos de 1 dólar por dia,
o Brasil já cumpriu a meta ao baixar para 4,2% o número de pessoas nestas condições – o
porcentual era de 8,8% da população em 1990. Ainda assim, há 7,5 milhões de brasileiros vivendo
na indigência. É como se o Brasil tivesse uma Suíça inteira na miséria. Já os pobres,
aqueles em condição levemente melhor, caíram de 42,033 milhões de pessoas para 36,153 milhões,
uma população igual à da Polônia.
Rosilda vive com os filhos nesta Suíça às avessas, a cinco passos da Polônia da família
de Júlio, que pelos critérios da ONU está num estágio acima na evolução econômica.
“A gente é pobre, mas tem gente mais pobre ainda, então nem sei o que dizer”, diz Júlio,
constrangido. Ele não sabe, mas ajudou o país a avançar nos objetivos do milênio. Júlio
também está bem posicionado em outras estatísticas, embora diferentes das da ONU. Pelos critérios
da Fundação Getúlio Vargas(FGV), por exemplo, pobre à beira da indigência é quem
ganha abaixo de R$ 130 por mês. Assim, a pobreza no país caiu de 35,16%, em 1990, para os atuais 19,2%.
De acordo com os parâmetros da FGV, o Brasil ainda não alcançou a meta da ONU, mas está quase chegando
lá. O coordenador do Centro de Pesquisas Sociais da FGV, Marcelo Neri, atribui a queda dos níveis de miséria
a três fatores principais: aumento do emprego e renda, programas como o Bolsa Família e aumento do salário
mínimo. Segundo ele, a renda melhorou para as classes mais empobrecidas. De 2001 a 2006, cresceu 57% entre os 10% mais
pobres e apenas 6,8% entre os 10% mais ricos.
O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) também aponta queda da pobreza, mas difere dos dados da ONU e
da FGV. Conforme o Iets, a pobreza caiu de 30,5%, em 2005, para 26,9%, em 2006. Para o instituto, o país tem 49,043
milhões de pobres, quase 13 milhões a mais do que nas contas da FGV. Pelos cálculos do Iets, o número
de indigentes também é maior: chega a 10,3 milhões. A diferença se dá porque, para o Iets,
é pobre a pessoa com renda per capita inferior a R$ 266,15.
Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, usa os critérios
do Banco Mundial, que considera extremamente pobre quem vive com menos de 1 dólar por dia. Desta forma, repete-se os
dados da ONU. Mas os números não convencem a Rede de Laboratórios Acadêmicos para Acompanhamento
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, formada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
e pelas federais do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Pará e Brasília.
O estudo das universidades aponta que o país ainda não cumpriu o objetivo, embora deva atingi-lo até
2015. Além disso, indica que ficará aquém da meta do governo federal de diminuir o indicador a um quarto
no mesmo período. A rede de laboratórios acadêmicos considera pobre quem vive com menos de meio salário
mínimo (atuais R$ 207,50) e extremamente pobre quem vive com menos de um quarto do mínimo.
Assim, o grupo de brasileiros pobres caiu de 42%, em 1990, para 30,7%, em 2005. Já o índice de pessoas em condições
de indigência caiu de 19,98%, em 1990, para 11,11%, em 2005, acima dos 9,99% previstos pela ONU. A projeção
indica que o país chegará a uma taxa de 8% em 2015, atingindo o esperado. Porém, o desempenho não
é suficiente para os 75% de redução estabelecidos pelo governo. As diferenças de metodologias
para quantificar a pobreza no país levam a uma dúvida: em que Brasil acreditar? Naquele que já atingiu
a meta da ONU ou naquele que tem mais pobres do que as Nações Unidas imaginam?
A rotina de um pobre
O dia de Rosilda começa às 5 horas da manhã. Ela faz o café para os cinco filhos, com idade entre
4 e 13 anos, arruma o carrinho de lixo, leva o caçula para a creche, volta para pegar o carrinho, sai às ruas
para catar lixo, retorna ao meio-dia, faz o almoço dos filhos, manda os outros para a escola, separa o lixo para vender,
lava a roupa toda, pega um filho na escola às 16 horas, volta, deixa-o em casa, busca o caçula, volta, manda
um por um para o banho, faz o jantar, bota todo mundo para dormir. Na manhã seguinte recomeça tudo de novo.
Viúva há quase cinco anos, Rosilda Gomes Padilha, 35 anos, mora há 15 num casebre na invasão da
Vila Pantanal.
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