A emergência econômica da China é uma realidade e o sinal mais forte de que caminhamos para um mundo
novo, que muitos já chamam pós-ocidental. A emergência da Índia, ainda incipiente, mas igualmente
relevante, reforçará o deslocamento do centro dinâmico da economia mundial para a Ásia.
Para
nós a China é, ao mesmo tempo, uma oportunidade e uma ameaça. Em 2010, esse país foi o principal
mercado para as exportações brasileiras e o principal investidor no Brasil. As exportações atingiram
US$ 30 bilhões, enquanto as importações subiram para US$ 26 bilhões.
Mas a qualidade do
intercâmbio deixa a desejar. Em 2009, os produtos básicos representaram 77% das exportações. Do
lado chinês, ao contrário, mais de 95% das exportações foram de bens industrializados, que incorporam
mais valor, geram mais empregos e melhores salários. A responsabilidade é, em boa medida, nossa. É o
chamado "custo Brasil". Como é possível concorrer com o produto chinês, se a taxa de juros aqui é
a mais alta do mundo, enquanto a da China é negativa? Quando, entre nós, a carga tributária chega perto
de 40% do produto interno bruto (PIB), enquanto a deles está abaixo de 20%? Se a nossa infraestrutura é deficiente
e a da China, supermoderna? Enfim, quando o real está apreciado, enquanto o yuan está desvalorizado?
Mas
existem outras razões para a redução relativa das exportações industriais. Em certos setores,
a China pratica a escalada tarifária, como em relação à soja. Outras vezes estabelece restrições
sanitárias injustificadas, como é o caso do frango. E cada vez mais os produtos industriais brasileiros terão
de enfrentar a integração das cadeias produtivas na Ásia, em decorrência das dezenas de acordos
de comércio e investimentos entre a China e seus parceiros na região.
Do lado das importações,
o déficit de competitividade explica em parte o deslocamento de significativos setores da economia brasileira diante
de um volume crescente de mercadorias chinesas. Mas, aqui também, outros fatores precisam ser levados em conta: a aceleração
das exportações da China, o seu crescente volume e, por vezes, a concorrência desleal, em consequência
dos benefícios concedidos às empresas chinesas.
No ano passado a China foi também o principal
investidor no Brasil, com mais de US$ 10 bilhões, o que é positivo. Mas o investimento está mudando.
Não se trata mais apenas de capitais direcionados para o suprimento de commodities. Hoje a pauta dos investimentos,
assim como a das exportações, se diversifica e inclui, cada vez mais, setores de alta tecnologia, como telecomunicações
(Huawei) ou transmissão de energia (State Grid).
Os investimentos chineses por vezes não distinguem com
clareza o público do privado. Mesmo quando a empresa é privada, a participação do governo no processo
decisório e no financiamento pode ser dominante e deixa em aberto a indagação se o objetivo e o modo
de operar da empresa refletem objetivos estratégicos do país ou práticas de mercado. Independentemente
dessa distinção, o simples efeito dimensão do investimento suscita questões justificadas, que
precisam ser avaliadas e, se for o caso, normatizadas, de modo a evitar que a decisão caso a caso gere incerteza para
o investidor.
Também do lado dos investimentos brasileiros na China seria preciso maior previsibilidade. A Embraer
não recebeu ainda a licença para produzir um avião de maior porte na China. Outras empresas, como a BR
Foods, que abriu um escritório em Xangai, poderão perguntar-se se obterão a necessária autorização
quando resolverem agregar mais valor às suas exportações ou produzir na China produtos de mais alto teor
de processamento.
O desafio da China, assim, não está apenas na peculiaridade e no vulto de seus investimentos
ou no volume crescente de produtos importados a um preço substancialmente mais baixo que o do similar nacional. Está
em saber lidar, tanto ao nível da empresa quanto do governo, com uma realidade que é nova, diferente e se apresenta
como as duas faces de uma mesma moeda: uma promissora, a outra inquietante. Esta realidade não pode ser tratada como
business as usual.
Os desafios novos da parceria com a China suscitam algumas reflexões e iniciativas:
-Coordenação.
A condução do intercâmbio foi corretamente colocada num nível elevado, vice-presidente da República
e seu equivalente na China. No plano operacional, no entanto, visões legitimamente diferenciadas entre Ministérios
e órgãos de governo tornam mais difícil a convergência de posições, um acompanhamento
abrangente dos negócios e a fixação de prioridades para a ação.
-Articulação.
Também no setor empresarial se manifestam diferenças naturais entre os que priorizam as oportunidades e os que
temem as ameaças. É preciso conciliar essas duas perspectivas, inclusive de modo a levar ao governo uma visão
convergente, que contribua para uma ação concertada.
-A parceria das empresas com o Itamaraty e a Apex
tem ensejado ações importantes de promoção comercial. Mas se o objetivo é, como deveria
ser, a agregação de valor às exportações, outros órgãos do governo - como
o BNDES - teriam uma contribuição a aportar.
-Uso adequado dos mecanismos de defesa comercial.
-Maior
clareza sobre os procedimentos e normas relativos ao comércio e ao investimento, de modo a assegurar maior previsibilidade
aos agentes econômicos.
-Ampliação do intercâmbio cultural e educativo, de modo a suprir
a lacuna de conhecimento recíproco.
A visita da presidente Dilma Rousseff à China, no correr do ano,
será uma oportunidade valiosa para entendimentos entre os dois governos que venham a facilitar e impulsionar o intercâmbio
econômico, em conformidade com os objetivos fixados no Plano de Ação Conjunta de 2010.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 23/01/2011