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Sindicato da Indústria da Panificação e Confeitaria do Estado do Paraná

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"O futuro do pão está nas origens", afirma especialista internacional do setor

Javier Vara, mestre internacional em panificação e consultor, foi o profissional escolhido para inaugurar o Centro de Formação da Panificação do Sipcep. Leia a seguir entrevista com ele sobre os caminhos e rumos da panificação

clique para ampliarEspecialista em pães e matérias-primas acredita que no fortalecimento da profissão e de técnicas artesanais para a retomada do valor na panificação na sociedade. (Foto: Reprodução)

Especialista em panificação artesanal e industrial, Javier Vara é descendente de uma família de padeiros espanhóis. Desde a tataravó do profissional, a família cuida e produz o alimento mais conhecido na história recente da humanidade: o pão. Morando em Curitiba há pouco mais de um ano, Javier foi o profissional escolhido para inaugurar o Centro de Formação em Panificação do Sipcep, apresentando o primeiro curso que tem como tema “Pães de fermentação lenta”.

Atento às mudanças e os desafios do setor, Javier conversou com o Boletim da Indústria e sua mensagem é clara: para reaver a valorização e os benefícios do pão, é preciso voltar às origens. É necessário que a padaria seja novamente o centro da produção, que vai desde a seleção da matéria-prima ao serviço de atendimento ao cliente. Um processo único e personalizado em que cada padeiro possa dar aos seus produtos uma identidade, agregando valor e benefícios ao alimento e transmitindo esses valores aos consumidores. Confira a entrevista:

Boletim da Indústria - Como o senhor avalia a qualidade da matéria-prima dos produtos brasileiros?

Javier Vara - Uma coisa é realidade: o cenário está mudando e já é um passo importante que o Brasil perceba isso. Porque até agora parece que todos navegam para um sentido e o Brasil estava navegando para um sentido totalmente diferente. A respeito da qualidade das matérias-primas e dos produtos não é possível tirar uma conclusão em relação a uma independente da outra, uma vez que são consequentes. Mas, para falar rapidamente, as matérias-primas do Brasil precisam ser mudadas, a política de fabricação precisa ser alterada e, sobretudo, a política de produção da matéria-prima principal que é o trigo. O Brasil preferiu reduzir o subsídio ao trigo para subsidiar outras culturas como a soja. Hoje, já é possível perceber que esse foi um grande erro. Esse é um cereal básico que caminha com o ser humano, de forma controlada e cultivada, há seis mil anos. É preciso reconhecer isso.

Quais são as iniciativas para mudar esse panorama? Qual é o futuro?

O futuro do pão está no início, nas origens e vamos achá-lo no passado. Não é o que se pensa, que no passado se fazia melhor pão. Hoje se faz melhor pão, em função de conhecimentos, antes empíricos, como a bioquímica, a química aplicada que acontece na panificação, estão bem mais claros e conhecidos. Mas, então, por que se comia melhor pão? Eu acredito que é porque havia menos agrotóxicos que hoje. O trigo, por exemplo, era um trigo de qualidade. Estava cultivado com os descansos na terra, de uma forma sustentável. Hoje, infelizmente, o trigo está sofrendo muita alteração genética e com uma carga elevada de agrotoxinas. Isso repercute na qualidade do trigo, na qualidade da farinha e na qualidade do pão. Isso aumenta inclusive nos números do doenças celíacos, que são 1% da população, e nas intolerâncias, que chegam a 8% ou 9% da população.

O senhor mencionou que o sistema está em alteração. O que está mudando nesse sistema de produção e nas padarias?

Se está provocando uma revolução nas padarias, não só nas padarias, mas desde o produtor original. O padeiro precisará se aliar aos moinhos para voltar às produções originais, sem agrotóxicos, com mais qualidade e mais nobres. Unindo isto à técnicas de fermentação longa e naturais, nos dá um resultado excelente. O pão é um alimento, não é uma comida, é um mais do que isso, um alimento necessário. É uma aberração tirar o trigo e todas as substâncias benéficas ao organismo da alimentação. O glúten não é ruim. Ruins são os agrotóxicos e temos que lutar contra elas e defender um produto independente, que é o que se está tentando aqui no Paraná por meio do Sipcep. Aí esta a beleza, cada padeiro pegar os tipos diferentes de trigo, de moagens, e fazer em sua padaria sua própria alquimia, sua própria receita, de forma independente.

Como voltar às origens e articular isto de forma economicamente sustentável?

A tendência na panificação é esse trabalho, essa sinergia com os moinhos. Onde se pode pedir que tipo de trigo desejo, em que classe desejo, ou seja, mais integrais ou não, se é um grão de inverno ou não, mais duro ou menos, e depois de toda essa combinatória matemática, é possível ter um número infinito de possibilidades. Isso significa ter um produto final com identidade. Dentro de uma cidade, ter produtos tão diferentes como cada padeiro, algo que sempre existiu. Agora, por causa dos monopólios e das pré-misturas, você pode comer um pão feito delas em Curitiba e outro em Belém do Pará e são iguais, com o mesmo sabor, não há nenhuma diferença.

Outro fator relevante para isto é a falta de qualificação profissional da mão de obra. Isso porque o uso dessas pré-misturas provoca que o padeiro cada vez mais tenha menor qualificação profissional para fabricar os pães. Essa pré-mistura é basicamente uma mistura de farinhas pobres adicionada de emulsificadores, conservantes, melhoradores, ou seja, uma mistura de produtos químicos, nocivos que entram dentro do corpo humano.

O padeiro, na realidade, trabalha com micro-organismos, com bactérias, com lactobacilos, com fungos e leveduras, de uma forma muito controlada. Sabemos como produzir para que façam bem ao sistema digestivo, produzindo pães com índices glicêmicos muito baixos, com aromas, com carotídeos da farinha bem impregnados, com fermentação longa e sejam mais saudáveis e digestivos. É essa química que o padeiro sabe, ou deve saber, para que os produtos façam bem ao ser humano.

E como conseguir esses conhecimentos?

Agora chegamos à terceira parte dessa equação. A primeira é matéria-prima, a segunda é a definição do tipo de produtos que queremos e a terceira é que devemos registrar, valorizar e honrar este ofício. O padeiro deve ser um ser reconhecido. Hoje ele é reconhecido como um arquétipo de pessoa com pouco estudo, com pouca qualificação. Na verdade, é o contrário. O padeiro necessita ser dotado de reconhecimento social e essa é uma questão que vai levar tempo. No Brasil, há uma característica muito especial, que existe a cultura do panificador - que é o dono da padaria - totalmente desvinculada da figura do padeiro - aquele que produz. Hoje existe um movimento de padeiros novos, que felizmente parece que está oferecendo uma luz ao fim do tempo.

Diante desse cenário, como o senhor avalia a iniciativa do Sipcep ao inaugurar o Centro de Formação em Panificação?

Newton dizia que é nas crises que nascem as melhores ideias e criações. Eu acho que o momento é agora: a crise. Algo está errado. Não se pode resolver tudo. Mas deixamos o restante e vamos resolver o que nos toca. E a padaria é algo que se vinha reclamando em relação a muitos aspectos. É preciso rever desde aos órgãos de representação, que estavam fazendo um trabalho muito contraproducente para o futuro da padaria. Ou seja, estávamos vendendo algo que não é a realidade da padaria.

Há uma missão muito clara da diretoria e presidência do Sipcep, que percebeu que não estávamos na trilha correta e que temos que mudar. Que temos uma região que possui uma vantagem em relação às demais, que é o fato do Paraná ser produtor de matéria-prima, do trigo. Se não se cria aqui esse movimento, essa saída da inércia, não há outro lugar melhor que esse. E essa missão está clara para o Sipcep.

Outro ponto é a qualidade dos padeiros. A realidade é que temos que trazer a figura do panificador próxima da do padeiro, ou seja, é preciso que o panificar retorne para dentro da padaria. Necessitamos que os donos das padarias pensem como padeiros. Essa é uma grande mudança e esse é o espírito desses cursos. Oferecer conhecimentos para os donos das padarias que irão fazer mudanças revolucionárias dentro de seus estabelecimentos. Essa é uma iniciativa extremamente interessante, na qual os bons fornecedores de equipamentos estão apostando e para o qual se está desenhando cursos não só de panificação, mas de confeitaria, patisserie, entre outros cursos que possibilitarão às padarias atuar de acordo com as tendências mundiais de panificação e reaver seu valor frente à sociedade.

A partir daí estamos criando uma série de movimentos, como um selo de identificação, um carimbo de qualidade para origem conhecida do pão paranaense e estamos desenhando uma Escola Nacional de Panificação e Confeitaria aprovada pelo Ministério da Educação que terá como centro Curitiba. Esse é o futuro. Melhorar a matéria-prima, estabelecer produtos de qualidade e saudáveis, e ter profissionais qualificados que possam juntar esses fatores e oferecer o melhor produto para a sociedade.

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