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por Leonardo Sperb de Paola
Em 1º de janeiro de 2016 entrou em vigor o novo regime de ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais (que não revendem a mercadoria ou a utilizam como insumo em industrialização), independentemente destes serem ou não contribuintes do ICMS. Até então, existiam duas modalidades de incidência para consumidor final:
- consumidor final contribuinte do imposto: cabia ao Estado de origem o ICMS na alíquota interestadual (12% nas operações destinadas a Estados do Sul e do Sudeste, salvo Espírito Santo, e 7% nas operações destinadas a Estados das demais regiões do país), e ao Estado de destino a diferença entre a alíquota interna aplicável à mercadoria e a alíquota interestadual;
- consumidor final não contribuinte do imposto - ICMS integralmente devido, pela alíquota interna, ao Estado de origem.
Ocorre que o crescimento do comércio eletrônico acabou por distorcer esse modelo, uma vez que facilitou a realização de compras pelo consumidor final não contribuinte sem passar por varejistas locais, levando a uma concentração de operações com origem em alguns poucos Estados da Federação. A reação inicial de diversos Estados prejudicados foi estipular unilateralmente (e também por meio do Protocolo ICMS 21, de 2011, subscrito por vários Estados) regras distintas de tributação do e-commerce, as quais não passaram pelo teste da constitucionalidade e foram rejeitadas em ações diretas pelo STJ.
Diante disso, foi aprovada a Emenda Constitucional n. 87, de 16 de abril de 2015, a qual, observado um período de transição, estabeleceu a repartição do ICMS entre Estado de origem (alíquota interestadual) e Estado de destino (diferença entre a alíquota interna e a interestadual) em todas as operações interestaduais destinadas a consumidor final. No período de transição, dividiu-se a diferença entre a alíquota interna e a interestadual da seguinte forma:
i) para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
ii) para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
iii) para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
iv) a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.
Eis um quadro resumo da distribuição do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final a partir de 2016:
|
alíquota interestadual (7% ou 12%) |
diferença entre alíquota interna e alíquota interestadual |
|
2016 |
Estado de origem |
60% para o Estado de origem |
40% para o Estado de destino |
2017 |
Estado de origem |
40% para o Estado de origem |
60% para o Estado de destino |
2018 |
Estado de origem |
20% para o Estado de origem |
80% para o Estado de destino |
a partir de 2019 |
Estado de origem |
nada para o Estado de origem |
100% para o Estado de destino |
Até aí, nada que prejudique o contribuinte, tratando-se apenas de uma recalibragem necessária da distribuição do ICMS em face dos desafios impostos pelo e-commerce. O problema é que, a fim de regular a apuração e o recolhimento desses valores para os Estados, foi editado, em setembro de 2015, o Convênio ICMS 93, o qual traz pesadíssimas obrigações acessórias aos contribuintes. Nos termos desse ato, o imposto correspondente ao diferencial de alíquota será calculado de acordo com a seguinte fórmula:
ICMC destino = [base de cálculo x alíquota interna no destino] (-) ICMS origem
obs: O ICMS origem resulta da aplicação sobre a base de cálculo da alíquota interestadual.
O ICMS origem continuará sendo recolhido normalmente ao respectivo Estado no sistema de conta gráfica. O grande problema reside na forma de recolhimento do ICMS destino, que observará o seguinte:
- a parcela devida ao Estado de destino deverá ser recolhida, em relação a cada operação de saída dos bens, por meio de guia nacional de recolhimento de tributos estaduais (GNRE) ou outro documento estabelecido pelo Estado de destino;
- a GNRE (ou outro documento estipulado), da qual constará o número do documento fiscal, deverá acompanhar o trânsito do bem;
- caso o Estado de origem tenha instituído adicional de ICMS para o fundo de combate à pobreza, na alíquota de 2%, esse adicional, que não entrará na conta de partilha com o Estado de origem, terá que ser recolhido por meio de uma segunda GNRE;
- o Estado de destino poderá facultar, mediante aplicativo, a inscrição em seu CAD-ICMS do contribuinte domiciliado no Estado de origem para possibilitar o recolhimento do imposto que lhe cabe até o 15º dia do mês seguinte ao da operação;
- o contribuinte domiciliado no Estado de origem deverá ainda observar todas as obrigações acessórias previstas na legislação do Estado de destino;
- já em relação à parcela devida ao Estado de origem (nos anos de 2016 a 2018), este poderá estabelecer seu recolhimento separado (não pelo sistema de conta gráfica).
Fica claro que os Estados, mais uma vez, impuseram aos contribuintes todo o ônus resultante das complexidades do novo sistema. Não só pela lei do menor esforço (em favor deles, é claro), mas por haver desconfiança de que, caso a arrecadação fosse concentrada no Estado de origem, este não repassaria ao de destino a parte que lhe cabe, ou o faria com grande atraso (a que ponto chegou nosso federalismo!).
Não é difícil imaginar as dificuldades que os contribuintes enfrentarão: milhares de GNREs terão que ser emitidas e recolhidas diariamente; essas GNREs deverão acompanhar as notas fiscais correspondentes em cada operação de transporte; além disso, o remetente ainda deverá observar todas as obrigações acessórias estabelecidas pelo Estado de origem e pelo Estado de destino.
Cabe notar que também foi vulnerado o princípio da não-cumulatividade, pois os créditos de ICMS somente poderão ser abatidos no recolhimento do imposto interestadual devido ao Estado de origem, o que permite antever, em razão da alíquota interestadual estar limitada a 12%, que haverá acúmulo desses créditos. O correto seria fazer o recolhimento apenas do valor líquido, após abatimento dos créditos, tanto ao Estado de origem como ao de destino.
Para mudar esse cenário desolador, necessário alterar-se ou o próprio convênio ou, melhor ainda, a Lei Complementar 87/96, prevendo-se que o recolhimento do diferencial, observado o regime de conta gráfica, será feito mensalmente ao Estado de origem e que caberá a este repassar o valor devido a cada Estado de destino. É isso mesmo: que os Estados criem entre eles uma forma de transferência ou compensação.
Em remate, aprofunda-se, num período de crise, o manicômio tributário em que todos vivemos. Como ainda querer que o país cresça?