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Publicado em 10/11/2014
Em menos de dez anos, a relação entre a exportação e a importação de manufaturados mudou drasticamente. Em 2006, para cada dólar de manufaturado exportado, o Brasil importava US$ 0,93 também de manufaturados. Ou seja, uma relação de quase um para um, com ganho para exportação. No ano seguinte, a relação se alterou um pouco. Para cada dólar exportado, o país passou a importar US$ 1,11, sempre em manufaturados. A vantagem ficou para a importação, mas ainda era um relação muito equilibrada. De lá para cá, porém, o volume de manufaturados importados aumentou em escala incomparável à das exportações do mesmo tipo de bem.
No ano passado, para cada dólar de manufaturado exportado, o Brasil importou US$ 2,13 de produto acabado. Neste ano, de janeiro a setembro, a relação passou de US$ 1 exportado para US$ 2,38 importados. No mesmo período do ano passado era US$ 1 para US$ 2,27. Os dados de outubro, divulgados ontem, mostram que a tendência não deve mudar tão cedo. Em outubro, a exportação brasileira de manufaturados caiu 30,3% contra igual mês de 2013 e, no acumulado, recuou 10,1%, em redução muito maior que a queda de 3,7% do total das exportações. As contas levam em consideração os dados e a classificação do Ministério do Desenvolvimento (Mdic).
Para analistas, a transformaçação não gerou reexportação. Ou seja, o manufaturado brasileiro está fora das cadeias globais de valor" diz Julio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica. O quadro mostra também, diz ele, que grande parte da importação veio para abastecer o mercado interno por conta da declinante competitividade da indústria doméstica.
"Foram manufaturados que vieram não apenas da China, como também dos demais parceiros comerciais importantes, como EUA e União Europeia", diz Rodrigo Branco, pesquisador do Centro de Estudos de Estratégias de Desenvolvimento da Uerj (Cedes/Uerj). Das importações totais brasileiras com origem nos EUA, 92% são de manufaturados. Nos desembarques vindos da UE e da China, as taxas são mais altas ainda (96% e 98%, respectivamente).
"A expansão das importações aconteceu num momento de crescimento da demanda interna, mas tirou espaço da indústria doméstica, que perdeu elos de sua cadeia produtiva", diz Branco. Por isso, ao mesmo tempo em que a importação de manufaturados se expandiu, a exportação de produtos acabados se estagnou. Em 2006, os manufaturados representavam 54,3% das exportações totais. Este ano, no acumulado de janeiro a setembro, a fatia foi de 34,8%. Nas importações, os manufaturados avançaram, no mesmo período, de 76,5% para 82,5%.
Silvio Campos Neto, economista da Tendências, diz que os números mostram a perda de fôlego da indústria. Para ele, contribuíram de forma importante para tirar a competitividade do setor a valorização do real frente ao dólar até 2012, principalmente, o que tornou as importações mais baratas e as exportações menos rentáveis. Adicionalmente, diz, houve ampliação do mercado de trabalho, com queda forte de desemprego. "Esse cenário contribuiu para a alta real de salários, o que elevou o custo das indústrias e também ajudou a tirar competitividade."
Outro agravante, aponta Campos Neto, foi a elevação da ociosidade no setor manufatureiro global, depois da crise financeira, em 2008. Nesse cenário, com o aumento da concorrência, que buscou novos mercados e enxugou suas margens, os segmentos brasileiros menos competitivos acabaram perdendo espaço. "Aliado a essas condições, houve também a influência das escolhas feitas pelo país na política de comércio exterior." Se o Brasil tivesse procurado ampliar a rede de acordos preferenciais, diz, o cenário de exportação poderia ser bem diferente.
Campos Neto acredita que mudanças conjunturais poderão ajudar as indústrias no curto prazo. Uma delas é o câmbio, que deve manter a tendência de desvalorização no próximo ano e trazer mais competitividade ao exportador, ajudando a indústria local na concorrência com o importado. Outro fator que ele considera iminente é o aumento da taxa de desemprego, que deverá trazer algum alívio para a pressão sobre salários. Ele diz, porém, que esses fatores irão contribuir positivamente para a indústria, mas outras mudanças são necessárias.
Para Almeida, será difícil esperar mudanças imediatas. "O dólar já está num patamar suficiente. O problema é as empresas acreditarem que o nível será mantido. O quadro que temos é resultado da falta, há muito tempo, de uma política industrial."
Há muitos países que geram divisas a partir da exportação de commodities, diz Branco. "Não há problema nenhum nisso. Mas podemos ter não só as commodities como também a exportação de manufaturados, porque o país já tem um parque industrial. Só precisamos dar competitividade a ele."
Para Almeida, o Brasil deve tentar voltar a atrair investimentos diretos, não apenas para atender ao mercado doméstico, mas para colocar o país como plataforma de exportação. Isso, diz ele, demanda a busca de uma internacionalização que pode começar pela integração regional maior. "É preciso colocar a região toda da América do Sul dentro do mapa das cadeias globais de valor. Mas para isso é preciso unificar procedimentos e robustecer um pouco mais o comércio regional."
A recuperação da indústria, diz Almeida, é importante. Ele lembra que atualmente o Brasil tem um déficit de transações correntes próximo a US$ 80 bilhões. "Esse déficit não traz problemas hoje, mas é uma situação que não pode ser mantida por muito tempo", diz. E a balança da indústria da transformação, assim como a de bens manufaturados, diz ele, tem dado contribuição negativa para as transações correntes.
Ana Junqueira, diretora de competitividade do comércio exterior do Mdic, diz que o governo federal vem tomando uma série de medidas para recuperar a exportação de manufaturados. Em 2013, lembra, o Brasil conseguiu recuperar o nível de embarque de manufaturados do período pré-crise. Segundo dados do Mdic, em 2008, antes dos efeitos da crise financeira, a exportação brasileira de manufaturados foi de US$ 92,7 bilhões. No ano seguinte, porém, caiu para US$ 67,4 bilhões e a partir de 2010 passou a se recuperar até que, no ano passado, atingiu US$ 93,1 bilhões. No acumulado até outubro deste ano, porém, a exportação de manufaturados somou US$ 67,3 bilhões, abaixo dos US$ 75,3 bilhões de igual período de 2013.
Entre as medidas do governo, Ana destaca o Reintegra, benefício que dá ao exportador crédito tributário equivalente a até 3% do valor exportado, e que se tornou permanente. Outra iniciativa, diz Ana, são as medidas para facilitação do uso do drawback, regime que livra de alguns tributos federais os insumos, importados ou adquiridos no mercado local, para fabricação de bens destinados a exportação.
Ana explica que uma série de medidas foi adotada como resultado de consultas às empresas sobre os obstáculos ao uso do incentivo fiscal. Entre as mais importantes deste ano, ela destaca o fim da vinculação física dos insumos adquiridos no drawback na modalidade suspensão. Ana também explica que foi flexibilizada a exigência de laudos técnicos.
Além disso, Ana menciona o portal único de comércio exterior, lançado no primeiro semestre e que tem por objetivo tornar disponíveis a importadores e exportadores vários instrumentos que deverão reduzir o tempo de permanência do produto no porto. Para a exportação, o objetivo é reduzi-lo dos atuais 13 dias, em média, para 8 dias. Para a importação, a meta é diminuir de 17 para 10 dias.
Fonte: Valor Econômico
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