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Publicado em 06/10/2017
Em pleno sul de Wadi Araba, parte do deserto do Saara na Jordânia, onde temperaturas escaldantes e apenas ‘escassos demônios’ dão sinal de vida, uma equipe de engenheiros ambientais está trabalhando em uma solução para países que estão na linha de frente das alterações climáticas, enfrentando secas e o aumento das temperaturas.
Os engenheiros estão desenvolvendo uma fazenda sustentável que utiliza energia solar para dessalinizar (tirar o sal) da água do mar para cultivar regiões que estiveram áridas por séculos. Em seguida, o objetivo é escoar a irrigação para proteger as terras estéreis e protegê-las de uma nova desertificação.
Projetos similares tiveram sucesso em um vizinho: Israel. Contudo, o desafio de criar uma fazenda totalmente sustentável no meio do deserto jordaniano é ainda maior para um país que não pode desperdiçar seus cada vez mais escassos recursos hídricos.
A Jordânia vem enfrentado problemas hídricos por décadas, com um sistema sobrecarregado pelo crescimento da população. Impulsionada por ondas de refugiados, a população praticamente dobrou em 10 anos, passando de 5 milhões em 2004 para 9,5 milhões em 2015.
A Jordânia é constantemente apresentada como a segunda nação mais pobre em recursos hídricos do planeta, atrás apenas do Barein, ao mesmo tempo em que encara o crescimento da desertificação devido ao excesso de pastagem e técnicas inadequadas de irrigação que reduziram as terras de pasto em mais de 70% nas últimas três décadas. Isso acontece em paralelo aos efeitos das mudanças climáticas, o que ocasionou os verões mais fortes dos últimos anos e poucas chuvas no inverno, trazendo um futuro sombrio ao meio ambiente da Jordânia.
Em um país cada vez mais propenso às secas, a evaporação das águas salgadas próximas à superfície devido à queda nas chuvas e as altas temperaturas dos últimos anos aumentou rapidamente a salinidade do solo, ou seja, literalmente salgando a terra. Com isso, atualmente a Jordânia tem menos de 1% de área de cobertura florestal e mais de 90% de área desértica.
E as mudanças podem ser ainda mais dramáticas. Segundo um estudo publicado em agosto no jornal Science Advances (Avanços da Ciência), a temperatura média na Jordânia pode aumentar em 4,5 graus até 2071. A mesma análise destaca a probabilidade de o país enfrentar secas duas vezes mais frequentes e mais longas. Já as chuvas (uma fonte importante para represas e recursos hídricos da Jordânia) podem cair em até 30%.
“Nossas conclusões sugerem que até o fim do século haverá um crescimento substancial de temperaturas mais altas e uma diminuição das chuvas”, diz Steven Gorelick, diretor do projeto Água da Jordânia, da Universidade de Stanford, e co-autor do artigo publicado no jornal Science Advances.
Uma solução em potencial está em um espaço do deserto da Jordânia que nada produz há centenas de anos.
Originalmente concebido por ambientalistas em 2009 durante a conferência de mudanças climáticas em 2009, em Copenhague, o Projeto Floresta do Saara foi concebido como uma maneira de reverter a rápida desertificação da África e do Oriente Médio, ao mesmo tempo em que busca reduzir a falta de alimentos e de energia.
“A conexão entre comida, energia e água está diretamente ligada às mudanças climáticas, e nós acreditamos que é preciso uma abordagem integrada”, diz Joakim Hauge, CEO do projeto que promete leva agricultura ao deserto. “Isso tudo bem de uma percepção simples: queremos utilizar o que temos”.
Apoiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, pela União Europeia e pelo governo da Noruega, o projeto comercial combina energia solar, dessalinização da água do mar, energia eólica e monitoramento à base de computadores para tirar proveito de cada gota de água e para revitalizar o solo estéril.
Na vizinhança, Israel já vem há tempos trabalhado para formar fazendas em áreas áridas. Após investir pesado na dessalinização, a produção de Israel cresceu nos últimos anos para mais de 130 bilhões galões de água potável por ano. Isso aconteceu mesmo em meio a uma forte seca no início dos anos 2000.
Em parceria, os dois países se comprometeram a construir em conjunto uma planta de dessalinização às margens do Mar Vermelho, como parte de um polêmico projeto de US$ 900 milhões para fazer um sistema de encanamento que liga o Mar Vermelho ao Mar Morto, que está abaixo do nível do mar.
O problema é que há pouca cooperação entre os pesquisadores dos países em relação aos problemas de mudanças climáticas, que ambos vêm enfrentando, especialmente a seca e a desertificação. O projeto de ligação entre os mares deve demorar anos, já que o cronograma e o planejamento de ambos os lados continuam restritos.
Apesar disso, o projeto do Saara promete ser uma iniciativa com maior sinergia, ligando também os mares Morto e Vermelho e utilizando o excesso de água salgada dessalinizada para irrigação. Nesse projeto, não há especialistas de Israel entre os 60 membros internacionais. Apesar disso, os membros do projeto dizem que estão abertos ao aprendizado da experiência israelense conforme avançam no projeto com um modelo único: uma fazenda que incorpora diversas tecnologias e que acontece de maneira independente.
A auto-suficiência em seu parte do projeto é fundamental para a Jordânia, que importa 96% da sua necessidade energética e não pode pagar por mais por energia e investir em projetos de larga escala.
Durante os primeiros testes do projeto Saara, no Catar, a iniciativa obteve resultados positivos, produzindo cultivos em estufas em níveis de qualidade exigidos pela Europa, com metade da quantidade de água utilizada antes na agricultura do Catar. Mas a equipe do projeto rapidamente se concentrou na Jordânia devido à vulnerabilidade às mudanças climáticas e à localização do país, situado no coração de um região com crises hídricas e ambientais.
Em um terreno estéril com o tamanho de quatro campos de futebol localizado na fronteira de Israel e Jordânia, a 10 quilômetros do porto de Aqaba, o projeto do Saara usa estufas e um sistema de dessalinização para produzir culturas vegetais sem utilizar uma única gota de fontes de água doce.
Através de painéis solares, o projeto absorve água do mar e utiliza um filtro para formar gotas de água doce, que evaporam e aumentam a umidade da estufa, o que reduz a necessidade de água para o cultivo.
O segundo pilar do projeto busca formar cultivos ao ar livre, inicialmente com 25% de água irrigada, utilizadas especificamente para o cultivo de solos e plantas adequadas ao solo do deserto da Jordânia, como arbustos florais e palmeiras. Esses campos irão retornar nutrientes e umidade ao solo, criando uma barreira para o crescimento da desertificação, estabilizando a formação de poeira e areia.
Com a melhora do solo, os pesquisadores do Saara acreditam que será possível o início do plantio de culturas ao ar livre.
Flores e mudas já estão brotando naquilo que um dia era puro deserto e fileiras de pepinos verdes brotam nas estufas, assim como as variedades mediterrâneas que crescem em outros lugares da Jordânia.
O plano inicial é produzir 130 mil quilos (140 toneladas) de vegetais por ano, além de 10 mil litros de água fresca por dia. O pepino foi o primeiro teste. A ideia é expandir a produção para tomates, beringelas e morangos.
O projeto do Saara traz ainda outros benefícios adicionais, além dos novos cultivos e para a desertificação. A eletricidade pelos painéis solares poderá ser comercializada a preços competitivos no futuro. As próprias novas fazendas que se formarem deverão gerar mais eletricidade.
Apesar disso, os líderes do projeto admitem que, embora o projeto da Floresta do Saara possa ser uma solução para países como Jordânia e Tunísia, ele não pode ser o único fornecedor de alimentos, nem ser aplicado em todas as regiões, já que exige um litoral próximo e luz suficiente para a produção de energia. “Esta não é uma bala de prata que vai funcionar em todas as áreas áridas”, diz Haurge.
Os diretores do projeto reforçam a necessidade da cooperação entre Jordânia e Israel para que a planta jordaniana funcione nas fronteiras entre os países do Mar Morto e Vermelho, o que mostra que qualquer ação encontra seus limites políticos no Oriente Médio. Contudo, a própria Jordânia fez do projeto uma prioridade, com o Rei Abdullah inagurando pessoalmente o projeto local no mês passado, e com o governo reforçando a iniciativa.
O projeto também está realizando ações similares em outros locais, como na Tunísia e na Austrália. E embora as perspectivas para países vulneráveis, como a Jordânia, possam parecer sombrias, especialistas esperam provar que a solução é viável.
Em resumo, segundo Haurge, luz, água do mar e terra são capazes de produzir alimentos, água potável e energia renovável. “Tudo que precisamos fazer é integrar as tecnologias”.
Fonte: Gazeta do Povo
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