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Publicado em 31/08/2017
O livro “Agricultura e indústria no Brasil: inovação e competitividade”, de José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho & Albert Fishlow, foi lançado em abril deste ano e está disponível para download no portal do IPEA.
Trata-se de uma obra que aprofunda o debate em torno do progresso gerado pelo agronegócio brasileiro. A premissa é que políticas de ciência e tecnologia bem definidas, que aproveitem o conhecimento já disponível e busquem adaptá-lo a realidades específicas, têm sim o poder de promover transformações estruturais. A mudança tecnológica que ocorreu no interior das cadeias produtivas do agronegócio propiciou a diminuição de seus custos e o aumento de sua eficiência, benefícios esses que foram transferidos à sociedade, contribuindo com o crescimento sustentado da economia.
Ao se pensar no desenvolvimento econômico, não cabe, portanto, contrapor o progresso da agricultura ao da indústria. Ao contrário, esses dois setores, integrados aos serviços, devem ser pensados no conjunto, por meio de políticas públicas que complementem e eliminem gargalos, aumentando a competitividade do país. Além do aprofundamento do estudo em relação ao agronegócio, a obra procura avaliar e examinar dois outros exemplos de sucesso em políticas de inovação no Brasil: os casos da indústria de petróleo (Petrobras) e da manufatura de aeronaves (Embraer).
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho participou do painel “Gestão e Sucessão: do campo ao mercado, o desafio da Governança” no 5º Fórum de Agricultura da América do Sul, que ocorreu nos dias 24 e 25 de agosto em Curitiba. Neste painel, os especialistas discutiram ser essencial investir na promoção do agronegócio e na profissionalização da gestão da atividade para vencer o desafio da sucessão no campo.
O mesmo avaliou que é preciso investir em ações de manutenção dos jovens no meio rural. “É importante promover a imagem da atividade rural, de forma a torná-la mais respeitada e objeto de desejo como atividade profissional dos jovens. As pessoas desconhecem a importância desse grande setor, que emprega quase 20% da mão de obra ocupada no país”.
Confira, na íntegra, uma série de perguntas e repostas sobre o livro Agricultura e indústria no Brasil: inovação e competitividade, disponibilizada por José Eustáquio:
De onde surgiu a proposta de escrever sobre esse tema?
Em 2014, eu fui realizar atividades de pós-doutoramento na Universidade de Columbia, no Technical Change Lab (TCLab), local em que eu trabalhei no tema de mudanças tecnológicas. Simultaneamente, eu participava de seminários que eram organizados pelo Professor Albert Fishlow e que aconteciam no Institute of Latin American Studies (ILAS), com o foco no desenvolvimento econômico latino americano. Nas reuniões de trabalho, percebemos que seria importante retratar de forma teórica e aplicada o caso da revolução agrícola brasileira. Muitos economistas entendiam a mudança tecnológica na agricultura como sendo algo exógeno ao setor, quando na verdade as transformações institucionais que observamos no caso brasileiro mostraram o contrário. As inovações tecnológicas originaram-se de mudanças institucionais endógenas. Era fácil entender o sucesso dos casos industriais, seja na produção de petróleo em águas profundas, seja na manufatura de aeronaves. Não obstante, as pessoas acreditavam que o setor agrícola era dominado pelos fornecedores, já que a agricultura é uma atividade que demanda insumos da indústria, tais como fertilizantes, defensivos, máquinas e implementos agrícolas. Esse raciocínio é um grande equívoco. Se isso fosse verdadeiro, bastaria o governo investir na indústria fornecedora que acabariam os problemas de ganhos de produtividade na agricultura. Por este motivo, numa tentativa de qualificar melhor o desenvolvimento da moderna agricultura, onde as transformações tecnológicas são endógenas, tal como acontecem nos exemplos bem-sucedidos da indústria nacional, surgiu a ideia de contar e retratar o exemplo da agricultura brasileira (centrado no papel da Embrapa), o qual fosse comparado aos casos da indústria (principalmente, Petrobras e Embraer).
Por quanto tempo você e o Fishlow trabalharam no projeto? O que foi mais desafiante no processo?
O projeto durou praticamente três anos de árduo trabalho de pesquisa. Além disso, trabalhar junto ao Professor Fishlow foi um enorme aprendizado de como enxergar os problemas da economia brasileira. A intenção seria terminar o livro no ano de 2014. Contudo, com o avanço dos manuscritos, o livro ganhou corpo e decidimos, ao mesmo tempo, aumentar o número de capítulos, o que demandou esticarmos os nossos cronogramas. Esta foi uma decisão acertada, já que focamos na publicação de um livro que pudesse compreender de forma teórica e aplicada o caso de sucesso da agricultura brasileira. Nossa decisão pautou pelo rigor acadêmico e científico a finalizarmos mais um livro de economia que não trouxesse uma relevante contribuição.
Saiba mais sobre o economista Albert Fishlow na matéria: Um estrangeiro que ajuda o Brasil a se descobrir
Qual a relevância de discutir a inovação tecnológica no agronegócio na atual conjuntura econômica?
O que está por detrás de toda a discussão é o fato de aumentar a produtividade. Todos nós já sabemos que, para sairmos da crise econômica, é necessário elevarmos a produtividade de todos os setores. Como aumentar a produtividade? A produção por unidade de capital só se eleva com mudanças tecnológicas. Isso vale para a agricultura e para a indústria. Se aumentarmos o nível de produto por habitante, estamos no final melhorando a qualidade de vida das pessoas, com expansão da renda e do produto. Portanto, a relevância é central. Por exemplo, para avaliarmos a expansão da fronteira agrícola no Cerrado, região anteriormente inapropriada ao plantio, há um conjunto de inovações tecnológicas, que transformaram a agricultura tropical brasileira. Em quase meio século, desde a década de 1960, o Brasil deixou de ser importador líquido de alimentos para se tornar um dos maiores exportadores mundiais. No passado, o país importava cerca de 30% dos alimentos que consumia, enquanto, no presente, o agronegócio responde por mais da metade do superávit da balança comercial, o que contribui para a geração de divisas. O trabalhador utilizava quase a metade da sua renda na compra da cesta básica. Atualmente, essa parcela não ultrapassa 20%. A economia concentrava-se na produção de alguns bens primários de baixo valor agregado. Hoje, o país firmou-se como líder na exportação de grãos e de frutas, sendo importante fornecedor de proteína (vegetal e animal) e tendo uma agricultura cada vez mais integrada à produção de fibras e energia, que incorpora maior valor adicionado. O setor é responsável por cerca de um terço do produto interno bruto (PIB) e por parcela significativa dos empregos. Não há como discutir a recuperação da economia atual sem considerar o agronegócio.
Para quem esse livro é mais indicado?
O livro é indicado aos Economistas e Formuladores de Políticas Públicas, aos Professores dos cursos de graduação e pós-graduação nas áreas afins de economia e administração e aos Estudantes, bem como às pessoas que queiram se aprofundar no entendimento de uma visão ampla dos casos de sucesso em inovação tecnológica na economia brasileira. Quando traduzido para outros idiomas, não temos dúvida que o conteúdo tratado será relevante aos pesquisadores que estudam as economias de desenvolvimento tardio, como o caso brasileiro, que foi capaz de criar ilhas de excelência, em setores até então dominados por países desenvolvidos, com relativa inserção internacional. A revolução agrícola tropical no Brasil é um caso paradigmático a ser estudado e melhor compreendido. O comparativo “agricultura versus indústria” traz o foco no progresso e na produtividade, independente do setor de atividade econômica.
Atualmente, qual o maior obstáculo para se investir na área no Brasil?
O maior obstáculo é a falsa ideia de entender a agricultura como sendo um setor retardatário e marginal em termos de desenvolvimento tecnológico. A mudança tecnológica que ocorreu no interior das cadeias produtivas do agronegócio propiciou a diminuição de seus custos e o aumento de sua eficiência, benefícios esses que, como demonstrado, foram transferidos à sociedade, contribuindo com o crescimento sustentado da economia como um todo. Ao se pensar no desenvolvimento econômico, não cabe, portanto, contrapor o progresso da agricultura ao da indústria. Ao contrário, esses dois setores, integrados aos serviços, devem ser pensados no conjunto, por meio de políticas públicas que complementem e eliminem gargalos, aumentando a competitividade do país.
Existe alguma concepção do senso comum equivocada sobre o assunto?
Como mencionado, muitos Economistas têm descrito o setor agrícola como um exemplo de competição pura e perfeita. Existem algumas hipóteses bastante restritivas subjacentes a essa descrição. Esse raciocínio minimiza a complexidade da inovação tecnológica na agricultura. Além disso, a inovação tecnológica é não desejável ao agricultor, já que diminuirá o preço final e a sua respectiva receita. O instrumental teórico de equilíbrio geral é interessante, mas precisamos ir além dessa abordagem para planejarmos políticas públicas. Existe o enfoque da inovação institucional que é mais ajustado à realidade; entretanto, mesmo assim, questionamos o porquê de uma tecnologia não ser lucrativa. As explicações normalmente ocorrem por modelos matemáticos. Há somente uma variável que explique o estoque de capital – a lucratividade. A hipótese implícita por detrás dessa modelagem compreende a tecnologia como um produto homogêneo e padronizado, com características observáveis por todos os participantes do mercado. Porém, existem os casos em que a tecnologia é lucrativa e mesmo assim a adoção fica restrita entre os potenciais agentes. O livro mostra que muitas das atuais políticas não corrigem as imperfeições de mercado e, ao contrário, ampliam as imperfeições de governo. É urgente repensar um conjunto amplo de políticas públicas!
De forma geral, o que o senhor conclui depois desse trabalho de pesquisa?
Em muitas situações, a intervenção pública cria viés de autosseleção e seleção adversa, não atingindo os objetivos traçados. A política de conteúdo nacional não contribui para o avanço das redes estratégicas de inovação. O controle de preço pelo Estado interfere na lucratividade, podendo desestimular os negócios. Os recursos e lucros reinvestidos, quando não aplicados corretamente, reduzem a competividade das empresas. De forma conclusiva, pode-se mencionar que ambientes institucionais que ligam a produção às redes de conhecimento são centrais na dinâmica de inovação, desde que os sinais de mercado não sejam distorcidos pelo setor público. Os erros e acertos das experiências analisadas devem ser considerados ao se planejar as políticas de inovação tecnológica no Brasil, que podem ser replicadas via relação mercado-pesquisa, mas que necessitam de um arcabouço institucional (educação e extensão) que promova a integração tecnologia-produtor. A revolução agrícola e industrial, orquestrada em torno da Embrapa, da Petrobras e da Embraer, ilustra bem como diretrizes de políticas públicas, sem interrupções no longo prazo, transformam avanços possíveis em progresso realizado.
Fonte: José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, Rete,
Centro de Comunicação e IPEA
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