Mas este não é um ano normal no maior país consumidor de carne suína do mundo. As restrições para impedir a disseminação
da peste suína africana fizeram com que a fazenda de Fu não conseguisse desovar o seu estoque de 20 mil suínos. Após os animais
terem sido vendidos com desconto ou simplesmente abatidos, o produtor conta que a fazenda pode não conseguir reabastecer.
A situação que se repete nas províncias do norte e do nordeste, no chamado "coração" da produção de carne de suína da
China. Com estimativas de redução de até 20% na reposição dos planteis em algumas fazendas, o país precisará comprar mais
do exterior, preparando-se para um ano turbulento para a indústria, que movimenta em torno de US$ 128 bilhões. "O risco para
conseguir reabastecer os estoques é muito alto enquanto a febre suína africana estiver por perto", lamenta Fu.
A redução dos planteis chineses, as barreiras sanitárias impostas pelo próprio governo de Pequim e as restrições de outros
países à carne suína chinesa, por outro lado, podem ajudar a alavancar as importações do produto no Brasil. De acordo com
a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), a China já é hoje o principal comprador de suínos do país - respondeu
por 29% do total de carne suína brasileira enviada ao exterior entre janeiro e outubro de 2018; Hong Kong (área também administrada
pela China) e Singapura completam os primeiros lugares com 22% e 8%, respectivamente.
Redução na produção
"Não dá para dizer que já impactou as nossas exportações, ainda é muito cedo. Mas a gente estima que haverá esse movimento.
Houve uma redução significativa da produção chinesa, que detém metade do rebanho mundial de suínos. Essa redução é estimada
entre 2 e 10% a produção de carne suína, o que em volume, por causa do tamanho do rebanho, é muita coisa. E os casos de peste
suína continuam amentando. Ontem mesmo foi anunciado o sacrifício de mais 40 mil animais", afirma Charli Ludtke, diretora
técnica comercial da ABCS.
Ela diz ainda que não dá para saber qual será a reação do consumidor chinês diante do problema - preços em alta no mercado
interno e o próprio medo, apesar de infundado, de algum tipo de contaminação com o consumo do produto. "Ele pode migrar para
outros tipos de proteína, como o frango, que é mais barato", exemplifica. De qualquer forma, isso também pode representar
uma oportunidade para outros setores da indústria brasileira de proteína animal.
A expectativa de melhorar os índices de exportação de carne suína para a China ocorrem simultaneamente à retomada, mesmo
que lenta, do mercado russo a partir do final do ano passado. O país havia embargado a entrada da carne suína brasileira em
2017, alegando a presença de ractopamina nos produtos, uma substância que não causa danos à saúde humana e é permitida no
Brasil, mas não na Rússia. Atualmente, apenas 5 plantas industriais brasileiras estão habilitadas a exportar para a Rússia.
"É um volume pequeno ainda, mas já começa a retomar. Esperamos que em breve mais plantas seja habilitadas", diz Charli. Antes
do embargo, a Rússia respondia por 40% das exportações de carne suína do Brasil.
Doença mortal
Enquanto isso, o governo chinês tenta conter de qualquer jeito a disseminação da peste suína africana, que começou a
se espalhar em agosto do ano passado e até agora foi detectada em pelo menos 23 províncias, sendo Guangdong uma das mais atingidas.
Mais de 600 mil suínos foram abatidos por causa da doença em todo o país, que normalmente abate para consumo cerca de 700
milhões de suínos por ano. A peste foi detectada também em países do Leste Europeu e na Bélgica.
Embora a doença não seja conhecida por prejudicar seres humanos, ela pode causar a morte de suínos em poucos dias. O
governo tem procurado conter a disseminação restringindo o transporte de suínos vivos fora das províncias afetadas e controlando
certos tipos de alimentos.
A província de Heilongjiang foi a responsável por 3% dos suínos abatidos em 2017 e um surto foi confirmado em uma fazenda
com cerca de 73 mil suínos no mesmo município de Fu, no início deste ano. Restrições de transporte também estão em vigor em
outras grandes províncias produtoras, como Henan e Liaoning.
Isso significa que produtores como Fu não podem levar seus suínos para os grandes centros de demanda no sul. Os matadouros
locais têm capacidade limitada à medida que os criadores se apressam em abater os seus rebanhos para evitar a contaminação.
A única outra opção é vendê-los com prejuízo e risco de sair do negócio, segundo ele.
Biosseguridade
Apesar do potencial de a doença de ajudar a aumentar as vendas de carne suína brasileira no exterior, Charli explica
que também há uma preocupação do setor com uma possível pandemia da febre suína asiática. "No Brasil, temos que trabalhar
com a vigilância ativa para reduzir ao máximo o risco de a doença entrar no país", explica. A maior preocupação é fazer com
que alimentos trazidos por passageiros vindos de regiões com a doença sejam descartados corretamente nos aeroportos, pois
apesar de não trazer risco para as pessoas, o vírus é letal para os suínos. Ele continua vivo em restos de comida e até em
vestimentas de quem teve contato com granjas contaminadas.
Por causa disso, diz a diretora técnica, as granjas brasileiras precisam elevar as barreiras de biosseguridade para quem
visitou países afetados pela peste suína africana e queira ingressar nas plantas de produção nacional. "No caso da importação
feita pelo Brasil de alimentos oriundos dessas áreas não há tanto problema, porque os produtos passam por uma quarentena e
há monitoramento e vigilância constante dos produtos", afirma.
Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo
Pior cenário
No pior cenário, os agricultores chineses podem acabar cortando os planteis em 2019 em 20% - ou cerca de 140 milhões
de animais, com base no número de abates de 2017, de acordo com o Rabobank. "Alguns são incapazes de continuar a reprodução
devido às enormes perdas, enquanto outros começaram a abater reprodutores", disse Pan Chenjun, analista sênior do Rabobank
em Hong Kong. Não são apenas pequenas fazendas como a de Fu que estão sob pressão. Fazendas maiores também podem reduzir o
reabastecimento, segundo Pan.
Os preços da carne suína foram esmagados à medida que as fazendas aumentaram o abate para evitar a contaminação, aumentando
a oferta. Na primeira semana de janeiro, os preços nas províncias do nordeste haviam caído 34% em relação ao ano anterior
e 16% no norte, de acordo com dados publicados pelo Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais.
Um dos maiores criadores de suínos do país, a Muyuan Foodstuff, da província de Henan, disse em um comunicado nesta semana
que o lucro líquido de 2018 poderia cair 79% depois que a doença interrompeu o transporte de suínos vivos das principais regiões
produtoras. O Wens Foodstuffs Group Co., outro grande produtor de suínos, informou que o lucro pode encolher cerca de 41%.
Mas a redução no reabastecimento poderia ajudar os preços a se recuperarem no segundo semestre do ano, conforme a oferta
se torna restrita, diz Zhu Zengyong, pesquisador do Instituto de Informação sobre Agricultura da Academia Chinesa de Ciências
Agrícolas. Também poderia levar a um aumento nas compras de carne suína do exterior, de acordo com Zhu e Pan.
A China Meat Association concorda. Segundo a instituição, as importações podem chegar a um recorde neste ano, já que
os agricultores não reabastecerão seus rebanhos e continuarão reproduzindo matrizes e leitões num ritmo mais lento, conforme
explicou Gao Guan, vice-presidente da associação.
"Muitas fazendas não se atrevem a renovar os planteis e algumas nem sequer têm dinheiro para fazê-lo, já que os preços
fracos prejudicaram os lucros", afirma Shen Yunxiang, gerente-geral da RICA Management Services (Zhangjiagang) Co., uma consultora
agrícola. "A oferta doméstica de carne suína pode se tornar mais fraca no segundo semestre do ano e isso pode elevar os preços",
diz.
Envie para um amigo