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Integração sustentável no campo ganha espaço como promessa de revolução agropecuária brasileira

Publicado em 02/05/2017

O solo enriquecido da colheita do milho ajuda o cultivo do capim, que alimenta o gado em um pasto repleto de eucaliptos. Ciclos como esse se repetem há oito anos no sítio do casal de engenheiros agrônomos Maria Fernanda Guerreiro e Luiz Fernando Braz da Silva, em Brotas (SP).

Resultado: os animais crescem mais saudáveis, os custos de adubação caem e a terra propicia a produção de cereais especiais, cujo fubá atrai a demanda de chefs em restaurantes da região. Além disso, o solo "mais sujo" concentra o carbono que seria liberado para a atmosfera.

"Depois que tiro a lavoura, o pasto está praticamente renovado, com nutrientes que são resíduos da lavoura e ganho qualidade de pasto. Essa qualidade consequentemente aumenta a quantidade de gado. É uma coisa que vai levando a outra", explica Maria Fernanda.

No centro das discussões da agricultura brasileira e com espaço garantido na 24ª edição da Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) ganha a cada dia mais adeptos. Em dez anos, são mais de 11,5 milhões de hectares preparados em todo o território nacional por produtores inspirados por princípios de sustentabilidade e maior rotatividade no campo, segundo dados do Kleffmann Group, especializada em pesquisas do setor agrícola.

Na maior feira do agronegócio da América Latina, que acontece de 1º a 5 de maio, a ILPF será tema de demonstrações de uma equipe da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), uma das principais instituições que pesquisam o tema no Brasil, no estande do Caminho do Boi.

Durante o evento, os organizadores também esperam pela assinatura de um protocolo de intenções para que uma área próxima ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), palco da Agrishow em Ribeirão, ganhe uma unidade de referência tecnológica (URT), com pesquisas e difusão das técnicas, a partir do ano que vem.

“Fala-se da indústria 4.0. Hoje nós podemos falar que a ILPF já está sendo a maior revolução da agricultura, da pecuária e da floresta do Brasil, em que o agricultor vai ter a possibilidade da continuous farming [agricultura contínua], ou seja, é a fazenda que não para 365 dias por ano, tem receita 365 dias por ano, com suíno, gado, qualquer tipo de proteína animal, com grãos, com a própria floresta”, afirma João Carlos Marchesan, presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Integração no campo

A interação de diversas culturas em um mesmo espaço faz parte da rotina do campo. Há décadas que produtores do Cerrado brasileiro plantam arroz em consórcio com o capim para recuperar áreas degradadas, assim como práticas similares são registradas entre criadores de gado no Paraguai e no Uruguai, apenas para citar alguns exemplos.

O tema ganhou vulto nos últimos anos, sobretudo por iniciativa de entidades como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que sistematizou as pesquisas sobre o assunto, eventos como um congresso mundial sobre a ILPF realizado em 2015 no Brasil, além de dias de campo Brasil afora.

A tecnologia também inspirou a criação de uma rede de fomento formada por grandes empresas do agronegócio mundial, além da abertura de uma linha de crédito específica - o Plano ABC [Agricultura de Baixo Carbono] - por parte do governo federal.

A integração lavoura-pecuária-floresta é uma estratégia de produção que pode encontrar diferentes sistemas, que combinam ao menos duas dessas modalidades, ao mesmo tempo ou de maneira rotativa. Práticas que, segundo as pesquisas, geram benefícios que vão muito além do aumento da produtividade por hectare.

Redução do impacto ambiental, com maior concentração de carbono no solo, a possibilidade de manter o campo produtivo o ano todo com diferentes culturas e o potencial de desenvolvimento local, com a demanda de boas práticas de gestão e qualificação profissional para os trabalhadores que atuam nesse sistema, são alguns dos benefícios apontados, dizem os estudos.

"É um sistema mais complexo, tem que entender de um monte de coisa, por um lado é interessante do ponto de vista do produtor, mas aumenta a necessidade de emprego qualificado, para o desenvolvimento local dos municípios", afirma Priscila.

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são os Estados com as maiores áreas dedicadas ao sistema, que encontra em território nacional 83% de iniciativas voltadas para a integração entre lavoura e pecuária, também definida como agropastoril. Soja, gado de corte e milho são alguns dos segmentos que encontram atualmente os maiores volumes de produção."O desafio que a gente venceu aqui foi de produzir muito mais em condições muito menos favoráveis", diz Priscila.

Pesquisa e difusão

São 97 unidades de referência tecnológica (URTs) ligadas à Embrapa em todo o país, focadas na difusão de conhecimento e na pesquisa da ILPF. Uma delas fica na Estação Experimental de Bebedouro (SP), que desde 2015 aplica os sistemas de integração entre soja, sorgo, capim braquiária, milho, eucalipto e mogno em seis módulos que totalizam seis hectares.

"A finalidade maior é mostrar ao produtor como utilizar melhor o solo com esses sistemas integrados de produção, melhorando o retorno financeiro e conservando o solo", afirma Antônio Reinaldo Pinto Silva, gerente agronômico do departamento técnico agropecuário da Coopercitrus, que coordena a URT no município.

Depois do plantio de soja em todo o espaço, as áreas foram divididas e readequadas para promover a integração da leguminosa com outras culturas: braquiária, milho, sorgo, eucalipto, mogno e teca.

"Quando tem um componente florestal [eucalipto, por exemplo] a gente planta em linha e dá um intervalo de linhas entre as ruas. Nesse meio ficou a braquiária", acrescenta.

Em pouco mais de um ano de trabalhos, o centro de pesquisa evidencia os primeiros resultados positivos no nível de fertilidade do solo para o cultivo de capim braquiária na comparação com as pastagens degradadas. As análises mostraram que a quantidade de fósforo chegou a quadruplicar, enquanto que os níveis de potássio e cálcio dobraram.

Condições que garantem, por exemplo, uma margem considerável de alimento para o gado no inverno, quando os pastos geralmente estão secos.

"Por exemplo: quando eu planto milho eu já faço a semeadura da braquiária. É um sistema interessante também por causa disso. Depois que eu colho o milho, essa braquiária já está instalada e eu já tenho uma pastagem em uma época em que quase ninguém tem pastagem formada, em um período de inverno", diz Silva.

O gerente agronômico afirma que a aplicação desse conhecimento ainda é restrita a algumas centenas de produtores dentre os 26 mil ligados à cooperativa, mas defende a ILPF como o futuro para a recuperação de pastagens degradadas.

Desafios

Premiado como um dos cinco mais sustentáveis do Brasil, o sítio de Maria Fernanda Guerreiro e do marido, em Brotas, hoje é um dos que melhor representam os benefícios da integração entre lavoura, pecuária e floresta.

"Somos uma propriedade pequena e a gente acreditava que a única maneira de viver em uma propriedade pequena era a diversificação. Por isso fomos para a ILPF. Como somos agrônomos, já sabíamos desse sistema de produção e fomos atrás de referências."

São 45 hectares, de um total de 106 da propriedade, dedicados à ILPF, com produção de eucalipto, vendido como lenha para pizzarias, por exemplo, criação de gado e plantação de milho orgânico, que vira fubá moído em moinho de pedra e vira ingrediente em restaurantes da região de Brotas.

"Meu solo é arenoso. Não consigo uma produção extra de solo argiloso. A produção é pequena, a gente trabalha variedades próprias para ter um milho diferenciado sem a transgenia. Vendo um produto com um processo natural", afirma.

Desde que deixaram de dedicar 100% de sua produção com laranja e começaram a implantar o novo sistema, em 2009, Maria Fernanda e o marido registraram avanços como a quantidade de cabeças de gado, que saiu de uma patamar entre 0,7 e unidade animal por hectare/ano para uma média que varia de 1,7 a 3 unidades por hectares/ano.

Por outro lado, a engenheira agrônoma reconhece que não foi fácil o caminho para seu modelo sustentável. Além dos R$ 200 mil em custos com plantio das árvores, aquisição de animais e benfeitorias gerais, a engenheira agrônoma cita um processo de estudo, readequação de práticas e constante reciclagem de conhecimentos.

"Demora, porque é um processo de investimento. Não tem retorno em curto prazo nem em médio prazo. É um processo que a gente começou a obter receita depois de uns quatro anos", diz.

Maria Fernanda explica que os detalhes do manejo também são um desafio para os produtores. Em outras palavras, não basta reunir as culturas. É preciso atenção aos detalhes e dedicação para não haver perdas.

"Plantando eucalipto em cima de uma curva de nível você não vai conseguir. Isso é um exemplo de muita coisa. Por ser uma curva, e como o gado caminha beirando as linhas, vai começar com o tempo, com a chuva, a ter erosão no pé do eucalipto e as raízes vão ficar expostas, prejudicando a conservação do solo."

A divulgação de conhecimentos como esses, segundo Priscila de Oliveira, é a principal barreira para a expansão da ILPF a mais propriedades rurais brasileiras. Pelo país é possível encontrar cursos livres via internet, simpósios promovidos por entidades, módulos de pós-graduação e disciplinas em cursos de graduação, mas a pesquisadora defende que é preciso se falar mais sobre o tema.

"A gente precisa fazer um trabalho melhor, traduzir melhor, descomplicar. Talvez o entrave seja o conhecimento da tecnologia para se ter a segurança em adotar. A rede de fomento, desde 2012, tem o objetivo de alimentar a ILPF com vistas de maior adoção do sistema. Se o produto não adotar nunca teremos impacto positivo."

Fonte: G1

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