O bem-estar animal e a produtividade no pré-abate e abate de aves - parte 2

Publicado em 16/03/2017

Em continuidade à última publicação, seguimos hoje dando sequência à série de colunas onde estamos tratando dos principais cuidados que as etapas do pré-abate e abate requerem, em especial sobre os ganhos financeiros que as empresas podem obter ao garantir o bem-estar das aves nestas etapas, sem deixar de falar também no controle e na prevenção dos principais patógenos associados a estas fases produtivas. Continue acompanhando comigo esta série que segue hoje tratando do manejo de apanha das aves para o embarque e transporte. Boa leitura.

Apanha das aves para o embarque e transporte

A apanha é a primeira atividade intensa de manipulação das aves dentre as etapas de pré-abate. Por este motivo, quando bem executado, este manejo previne uma série de efeitos negativos ao bem-estar dos animais e à qualidade do produto final.

Entretanto, para que tudo ocorra dentro do planejado, a relação entre homem, animal e ambiente deve ser equilibrada. Isto significa que, para garantir excelência produtiva a partir de animais bem manipulados, antes de mais nada é preciso assegurar capacitação e condições apropriadas de trabalho às equipes de apanha, assim como instalações e equipamentos bem projetados para este fim.

A apanha deve ser realizada sob condições ambientais controladas. Sempre que necessário, o sistema de climatização deve permanecer funcionando e os sinais clínicos das aves devem ser monitorados constantemente. Todo procedimento deve visar à prevenção de distresse no lote, ou seja, deve-se evitar que as condições de estresse inerentes a este processo se intensifiquem a ponto de impedir a adaptação natural do animal ao meio, tornando-se causa de sofrimento.

Quando realizada à noite, a intensidade de luz deve ser reduzida através de um dimmer, evitando-se ainda aumentos repentinos na intensidade luminosa dentro dos aviários. Em sistemas dark house, o uso de cortinas de tiras plásticas, como aquelas utilizadas nos frigoríficos, auxilia no bloqueio da passagem da luz para dentro do aviário. Lâmpadas azuis também podem ser usadas para minimizar a agitação e o estresse.

Caso haja intervalos de períodos longos entre uma carga e outra, deve-se caminhar por entre as aves, distribuindo-as para mais próximo dos bebedouros, o que estimulará os animais a beberem água. Os obstáculos que possam comprometer a movimentação dos carregadores ou promover alguma injúria nas aves, tais como os comedouros e bebedouros, devem ser retirados da área de movimento.

Os ruídos causados na preparação do aviário e durante a operação de apanha também podem provocar estresse e, muitas vezes, pânico entre os frangos. Os chamados impulsos de som, estampidos repentinos como gritos e o acionamento dos freios a ar de caminhões, por exemplo, podem desencadear reações de fuga e, por consequência, amontoamento de aves umas sobre as outras. Por conta disto, a subdivisão dos aviários com as próprias gaiolas de transporte, separando-se as aves em pequenos grupos, tem se mostrado uma boa prática no manejo da apanha. Além de reduzir lesões e mortes por limitar a movimentação das aves, facilita o trabalho das equipes.

Para iniciar a subdivisão do aviário, primeiro divide-se transversalmente o lote. Para tal, podem-se usar tapumes, por exemplo. Em seguida, divide-se o aviário longitudinalmente com o uso de tubulações de PVC, criando um trilho central no aviário, conforme demonstrado na Figura 1. Além de dividir o lote, estes tubos são usados para desembarcar, movimentar e embarcar as gaiolas.



Em sequência, as gaiolas são descarregadas do caminhão e posicionadas lateralmente ao trilho central, formando dois grandes grupos de animais. Por último, gaiolas adicionais devem ser posicionadas subdividindo os grupos grandes em grupos menores (entre 150 e 200 aves), dando-se início então à apanha, conforme mostra a Figura 2.

Para que o deslizamento das gaiolas sobre os tubos de PVC se dê de maneira amena e constante, as partes dos tubos devem ser conectadas por sistema de rosca. Além disso, pode-se umidificar com água limpa ou soluções de desinfetante (AVT em água, por exemplo) a superfície dos tubos para reduzir o atrito com as gaiolas. Substâncias como óleo de cozinha ou óleo diesel não são recomendadas por dificultar a higienização das gaiolas e do piso do veículo no frigorífico, prejudicando assim o controle de patógenos na cadeia produtiva, em especial as salmonelas. Por uma questão de biossegurança, é fortemente recomendado que estas tubulações não sejam compartilhadas entre galpões e/ou granjas.

Métodos de apanha

As empresas devem manter um programa de capacitação permanente para estas equipes, treinando-as nas melhores práticas de apanha e nas situações onde os animais não devem ser capturados.

Aves que apresentam problemas sanitários, fraturas ou lesões que comprometem seu bem-estar não devem ser capturadas. Neste caso é recomendável o sacrifício no próprio local, sendo aceitável o deslocamento cervical manual. O deslocamento cervical só deve ser realizado por funcionários treinados e habilitados a realizarem o abate de emergência.

Basicamente, existem cinco métodos de apanha manual, onde apenas um deles é recomendado para que se garanta o bem-estar animal e a produtividade. Comentarei todos a seguir, considerando seus prós e contras:

Apanha pelo pescoço

Mesmo não sendo recomendada, a apanha pelo pescoço é uma prática comumente realizada em alguns países da América Latina. As aves são capturadas de duas a três em cada mão e colocadas nas gaiolas em grupos. As desvantagens desse método são o fato de que o procedimento é incômodo, doloroso e os índices de mortalidade são altos. Além das perdas por mortalidade, os animais arranham-se uns aos outros nas pernas e no dorso no momento de serem colocados no interior das gaiolas.

 

Apanha pela asa

Embora seja uma prática ainda observada, não deve ser utilizada por questões de bem-estar animal e qualidade de carne. Aparentemente, a apanha pela asa parece ser mais produtiva em função da facilidade de captura. Entretanto, os níveis de lesões dos tecidos moles e de fraturas de articulações das asas impactam demasiadamente o desempenho produtivo das empresas; podendo os níveis de condenação de asa por contusão chegarem a uma faixa de 5% a 15%.

 

Apanha por uma perna

Não é uma prática recomendada. Quando comparada à prática de capturar aves por ambas as pernas ou pelo dorso, a captura de aves por uma única perna resulta invariavelmente em níveis mais altos de hematomas, deslocamento de articulações, especialmente de pelve e fêmur, fraturas, dor e mortalidade, comprometendo os índices de produtividade da granja e do frigorífico.

 

Apanha por duas pernas

É um dos métodos mais empregados por otimizar o tempo de apanha. No entanto, assim como na apanha por uma perna só, além de colocar os animais em posição invertida, o que lhes causa desconforto respiratório, a apanha pelas pernas provoca dor e os níveis de lesões de asa aumentam. Sabe-se que a região da canela é uma zona muito sensível à dor, pois o periósteo (parte externa do osso; muito inervada) é pouco protegido, além de nesta região haver uma presença muito grande de nociceptores (terminações nervosas), cuja função é reconhecer e transmitir impulsos em resposta a estímulos nocivos. Assim, quando os animais são capturados em posição invertida e pela região da canela, a resposta natural é a tentativa de fuga e o bater de asas, o que fatalmente implica em lesões.

 

Apanha pelo dorso

Sem dúvida este é o melhor dos métodos, pois os animais não são colocados em posição invertida e suas asas são mantidas junto ao corpo de forma segura, reduzindo o estresse, eliminando as lesões e, por consequência, a dor. Os animais podem ser capturados um por um, porém, a fim de se otimizar o desempenho produtivo das equipes de apanha, é possível capturar os animais de dois em dois, pressionando leve e paralelamente uma ave na outra (Figura 3). Quando realizada de maneira firme, mas sem força demasiada, a apanha pelo dorso de dois em dois apresenta os melhores resultados econômicos, de qualidade de carne e de cortes, sem comprometer o bem-estar das aves na etapa.



Na Tabela 1 pode-se observar o desempenho de lesões e mortalidade em uma comparação entre a apanha por duas pernas e a apanha pelo dorso (métodos mais empregados atualmente no setor).


Lembre-se que equipes com capacitação diferenciada são o 

caminho mais rápido e barato para se garantir o bem-estar dos animais, ótimos índices de aproveitamento de carcaça e a rentabilidade que a empresa precisa para alavancar seus resultados financeiros no curto prazo.

Bibliografia consultada

ALVES, S; CIOCCA, J.P; LA VEGA, L.T. Manejo Pré-Abate e Bem-Estar Animal. In: MACARI, M.; MENDES, A. A.; Menten, J.F.M.; Nääs, I.A. Produção de Frangos de Corte; 2 ed. São Paulo: FACTA; FAPESP, 2014. cap. 11, p. 193-223.

LUDTKE, C. B. et al. Abate humanitário de aves. Rio de Janeiro: WSPA, 2010. 120 p.

Sobre o autor

Leonardo de La Vega é médico-veterinário formado pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), no Rio Grande do Sul. Trabalhou na Avipal/Eleva, Perdigão, Sadia e depois na BRF desenvolvendo normas técnicas para todas as unidades destes grupos, onde teve a oportunidade de circular entre as operações práticas da produção e o mundo científico das universidades. Em 2015, saiu da BRF para abrir sua empresa de consultoria, a F&S Consulting, e mudou-se para Dublin, na Irlanda, onde passou a atuar também como pesquisador convidado na Universidade College Dublin (UDC). Hoje, em processo de mudança para a capital alemã Berlim, Leonardo Vega tem se dedicado a consolidar sua empresa no mercado global, marcando presença no setor frigorífico do Brasil e em países da Europa, com iniciativas ainda na Colômbia e Austrália. Recentemente, sua empresa firmou parceria com a World Animal Protection, além de estar engajada em tecnologias para melhorar a gestão de segurança de alimentos e em inovações voltadas a eliminar a dor e o sofrimento dos animais, ao mesmo tempo em que busca melhorar os níveis de qualidade de carne.

Com informações de CarneTec