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Publicado em 24/09/2018
A maioria da cana-de-açúcar plantada nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul tem origem no campus de Araras (SP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar (PMGCA) da universidade é responsável por 64% da área plantada desses estados.
Segundo o o professor do Departamento de Biotecnologia e Produção Vegetal e Animal (DBPVA-Ar) da UFSCar, Hermann Paulo Hoffmann, coordenador nacional da Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa), o Programa de Melhoramento é a razão de exisitir o curso de agronomia e do campus de Araras da UFSCar.
"Com a extinção dos programas de incentivo do álcool, os centros de pesquisa foram repassados para as universidades federais, e havia uma estrutura montada aqui em Araras que a UFSCar herdou."
A Ridesa foi formada pelas universidades federais que herdaram as áreas de pesquisa que eram dos projetos de incentivo sucroalcooleirto e que foram extintos na década de 1990, como o Proalcool, a Planalsucar e o Instituto de Açúcar e Álcool (IAA). Além da UFSCar, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), de Viçosa (UFV), Alagoas (UFAL), Pernambuco (UFPE), Paraná (UFPR) e Sergipe (UFSE) e mais três universidades com pesquisas em cana: Goiás (UFG), Mato Grosso (UFMT) e Piauí (UFPI).
Juntas, essas 10 universidades são responsáveis pelo desenvolvimento das variedades que recebem o nome República do Brasil (RB) e, atualmente, estão plantadas em 5,2 milhões de hectares, o correspondente a 64% dos 8,22 milhões de hectares de plantio cana-de-açúcar no país. Das cinco variedades mais plantadas na safra 16/17, quatro são RB.
As variedades RB começaram a ganhar destaque na década de 80, quando a ferrugem afetou boa parte dos plantios e elas eram imunes à praga.
O centro de Araras é destaque dentro da rede. Desde a sua criação, a Ridesa produziu 75 cultivares que, somadas às variedades desenvolvidas antes, somam 94, sendo que 25 são criações pela UFSCar.
Atualmente, 15 desses cultivares estão sob proteção intelectual e são os responsáveis pelos R$ 30 milhões angariados pelo PMGCA por ano.
O centro fica em uma área de 226,5 hectares, dos quais 110 ha são plantados com experimentos. Possui um laboratório de biotecnologia, viveiro e uma estufa com autorização para armazenamento de plantas transgênicas. Guarda ainda em um arquivo vivo com as principais variedades de cana do Brasil e do mundo dos últimos 60 anos.
O centro é autossuficiente em energia elétrica, produzida por placas solares e tem um sistema de armazenamento de água da chuva que é utilizada na irrigação. Ao todo, 78 pessoas trabalham para o programa, em Araras e em uma estação experimental em Araçatuba (SP).
A importância do trabalho do PMGCA pode ser medida pelo tamanho da procura que desperta. O centro é o principal fornecedor de novas variedades de cana para o maior estado produtor do Brasil: São Paulo tem 5 milhões dos quase 9 milhões de hectares de cana brasileiros.
Parceria
Para que isso tudo possa ocorrer, a palavra que norteia o trabalho é parceria - dentro e fora da universidade.
Com um exemplo de sucesso de parceria público-privada no agronegócio, a estrutura do PMGCA é mantida pelos royalties das variedades de cana e pelos acordos que o centro tem com 166 usinas e associações de fornecedores de cana de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
As usinas pagam uma taxa fica mensal mais um valor pelo uso do material. "A usina paga por hectare plantado, mas quanto mais ela usa, menor fica o valor do hectare". A interface com o setor privado é feita por meio de uma fundação.
A UFSCar tem o registro intelectual da cana por 15 anos, após esse período, a variedade cai no uso público, por isso, os pesquisadores do centro estão atentos às necessidades do mercado.
"Se a gente tem a área cultivada, a gente tem apoio, se não tiver variedade, não tem dinheiro. Mas a questão não é liberar [variedade], é liberar o que emplaca", afirma Hoffmann.
O resultado é um grande mercado com variedades com diferentes perfis de maturação, desenvolvimento em diversos tipos de solos, teor de sacarose, adaptação ao clima da região. "A usina leva todas e vê qual se encaixa para o que está precisando", diz Hoffmann.
Já teve material descartado no passado que agora está fazendo sucesso. "Esse material foi cruzado em 1997, mas ficou para trás. A gente achou que não tinha muito apelo. Esse material tem uma capacidade de brotar muito boa e com o aumento da colheita mecanizada, essa característica dela, com muito perfilho (brotação) passou a despertar interesse É de uma série que as colegas dela foram liberadas e ela ficou para trás e agora por essa característica voltou."
A parceria também é forte entre as universidades da rede, que trocam informações e conhecimentos entre si. Além disso, todas dependem da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde fica a Estação de Floração e Cruzamento Serra do Ouro, em Murici (AL), e onde são feitos os cruzamentos das unidades da Ridesa de todo Brasil.
"Lá estão as melhores condições do Brasil para a cana florescer e, assim, fazer a combinação entre os parentais, ou seja, os cruzamentos. Aqui, na época de florescimento é frio e seco, então a semente não consegue fecundar. Em Alagoas, o clima é mais ameno e chove nesse período", explica Hoffmann.
Os cruzamentos são feitos a partir de abril. Neste período, os pesquisadores do centro vão para Alagoas e coordenam os cruzamentos utilizando o banco de germoplasmas com mais de 3 mil opções, com espécies do mundo todo.
"A gente identifica entre essas 3 mil variedades disponíveis, quais tem características interessantes para a gente realizar os cruzamentos dentro das necessidades do setor e faz estudos para escolher as melhores combinações e evitar indivíduos aparentados", explica o engenheiro agrônomo Danilo Cursi, que começou no centro de pesquisa como estágiário em 2009 e hoje é mestre é doutorando em genética e melhoramento de plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), onde também fez mestrado.
O cruzamento é feito de forma natural. Ramas das variedades escolhidas são colocadas juntas para que a polinização ocorra espontaneamente.
"A gente cria condição favorável para a cana fazer o papel dela que é fecundação. A gente só une os pares e aí ocorre de forma natural", diz Cursi.
Segundo o engenheiro e pesquisador, esse é uma vantagem competitiva do Brasil. "Em Alagoas, há um conjunto de fatores naturais, como precipitação e temperatura que favorecem o florescimento da cana que tenha a formação do pólen. Outros países precisam investir em técnicas e estruturas para promover de forma artificial o florescimento, o que encarece o melhoramento."
Esses cruzamentos geram sementes que são enviadas para as universidades a partir de agosto para se tornarem mudas. Esse processo demora em torno de 90 dias.
Cerca de 2 milhões de indivíduos começam a ser testados. Só na UFSCar são em torno de 240 mil.
O processo pode levar até 15 anos. Os testes começam com apenas uma touceira de cada cruzamento, mas a medida que vão avançando, vai-se eliminando os cruzamentos inviáveis e aumentando o plantio dos promissores até chegar na etapa dos tratos culturais e colheita, que são feitos nos mesmos moldes das usinas.
"Começa com 200 mil, na segunda fase vai para 2 mil, depois para 60 e no ensaio final vai para 30 indivíduos. Começa com exames visuais, depois começa a tirar brix, a analisar se ela está brotando bem, depois vai inoculando doenças para ver como ela se comporta. É um risco. Ao final, a gente pode chegar a um material ou não. A gente tem conseguido", afirma Hoffmann.
Fonte: G1
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