Algodão nativo do Brasil pode ser usado em melhoramento genético
Publicado em 07/05/2018
Gossypium mustelinum é o nome científico de uma espécie de algodão silvestre nativo do Brasil, que não ocorre
em outros locais do mundo. Segundo informações da Embrapa, apesar de não ter importância econômica, já que suas fibras são
curtas, esse algodão é do mesmo gênero do algodão cultivado (Gossypium hirsutum) e pode ser cruzado geneticamente
com ele, o que o torna uma espécie de grande interesse para estudos científicos, pois é capaz de contribuir para o melhoramento
das plantas comerciais. As características genéticas desse algodão nativo são únicas e podem ser uma fonte de estudo para
resistência a doenças e pragas, explica a pesquisadora da Embrapa Algodão (PB) Lucia Hoffmann. De acordo com a cientista,
a planta poderá ser fonte de material genético de interesse para o melhoramento da espécie comercial, por isso é fundamental
a sua preservação.
Preservação da espécie
Com o objetivo de promover a conservação dessa espécie, a pesquisadora da Embrapa partiu em expedição na primeira
quinzena de dezembro, percorrendo os municípios de Lucena, Pitimbu (PB), Goiana, Itamaracá (PE) e Macururé (BA), onde foram
mapeadas plantas de algodão nativo. A espécie ocorre naturalmente nos estados da Bahia, Pernambuco e Paraíba, mais frequentemente
próxima a leitos de rios que não são perenes e, quando na mata, parece ter preferência por clareiras.
Segundo Hoffmann, este trabalho de acompanhamento das espécies nativas em seus ecossistemas naturais (conservação in
situ) é realizado com o objetivo de garantir a maior variabilidade genética possível, bem como, garantir a evolução de
espécies ao longo do tempo, de acordo com as mudanças ambientais. A pesquisadora explica que as principais ameaças à preservação
do algodão nativo são, principalmente, a interferência humana (arranquio com finalidades diversas), pastoreio excessivo do
gado, desmatamento e seca. Como outras vegetações na Mata Atlântica, observamos que muitas vezes as plantas são arrancadas
por desconhecimento da espécie, observa.
Desenvolvimento do algodão nativo
Em 2011, outra expedição confirmou a existência de populações de algodão silvestre no litoral da Paraíba e Pernambuco.
As plantas têm algumas características diferentes das que ocorrem na Bahia e também da população que já existiu em Caicó,
no Rio Grande do Norte, hoje extinta. As principais características identificadas como diferentes, além do habitat, são o
maior tamanho da flor e ausência de pilosidade acentuada nas folhas. Nesta expedição, se fez um esforço para viabilizar a
manutenção das plantas in situ, diz Lucia Hoffmann.
Além de acompanhar o desenvolvimento das espécies, os pesquisadores também promovem a conscientização ambiental da população
local. Conversamos com os proprietários do local onde a espécie é encontrada para que se tornem guardiões da planta em sua
região. O guardião deve saber reconhecer a espécie, alertar outras pessoas de sua comunidade para a existência do algodão
nativo em suas propriedades e para a necessidade de preservação dessa espécie única e tipicamente brasileira, conta.
Pesquisas e expedições
Durante a viagem, Lucia Hoffmann encontrou boas e más notícias. Em Macururé, a seca está muito grande, por isso as plantas
estão muito fracas. Mas, para a minha surpresa, a agricultora Maria José, de São Francisco, tinha construído por conta dela
uma cerca de arame farpado para proteger as plantas, relata a pesquisadora.
A agricultora recorda que na propriedade dela já teve pés de algodão grandes, mas que as plantas não sobreviveram à seca.
Depois que o pessoal da Embrapa veio, eu comprei o arame e mandei cercar os que ficaram para os bodes não comerem, mas depois
que cerquei, foram cinco anos de seca, seca mesmo, sem chuva, diz Maria José.
Em outra fazenda, onde havia algodão em Macururé, hoje só restam oito plantas vivas, graças à macambira. Por causa da
seca e da necessidade de alimento, solta-se o gado onde pode haver pasto, nas áreas que guardam umidade como nos locais onde
antes se acumulava água, e o gado gosta de se alimentar da planta e da semente, diz Hoffmann.
Em Itamaracá, um dos únicos dois conjuntos de planta já localizados, que fica em terreno bem próximo à praia, passou
por uma queimada. Quatro plantas maiores estão mais perto da praia, ainda possuem folhas verdes, e um número maior de plantas
ainda tem sementes, que parecem estar viáveis. Entrei em contato com a Agência Estadual do Meio Ambiente (Área de Proteção
Ambiental de Santa Cruz) para tentar encontrar e comunicar ao proprietário do terreno e sua vizinhança que as plantas não
podem ser arrancadas. A APA já esteve no local fazendo reconhecimento das plantas.
Em Lucena, próximo às ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso existe um grande número de plantas. Difícil dizer
quantas, pois estão espaçadas e em meio à vegetação. Nesse lugar, dá para notar que o algodão prefere clareiras. Na primeira
visita em 2011, havia na Igreja plantas, que devem ter sido arrancadas. Nessa visita, notamos cinco pequenas plantas, bem
ao lado da igreja, que podem ser conservadas.
Bancos de germoplasma
Os bancos de germoplasma funcionam como um reservatório de genes e são fundamentais para instituições de pesquisa que
trabalham com melhoramento de plantas. São divididos em bancos ativos, nos quais as plantas são mantidas vivas em suas condições
naturais, e bancos de base, em que são conservadas partes das plantas (muito mais frequentemente sementes, mas também podem
ser pólen e outros tecidos) em câmeras frias.
Para que novas variedades de uma cultura possam ser desenvolvidas, os programas de melhoramento dependem da disponibilidade
de material genético que represente a diversidade genética da espécie. A melhoria da qualidade e da produtividade são as principais
características buscadas pelos pesquisadores, mas outros fatores como falta de resistência a uma determinada praga ou doença,
adaptação da espécie a mudanças ambientais e a novas áreas de cultivo também são importantes.
A Embrapa tem plantado esses algodoeiros que têm risco de extinção de seca para multiplicação de sementes, como o caso
das plantas que foram extintas no Rio Grande do Norte. Nós plantamos as sementes e estamos aguardando florescimento, diz Hoffmann.
Sementes que haviam sido colhidas em duas lagoas de Macururé entre 2003 e 2005 também foram plantadas na Embrapa, em Goiás,
e germinaram. Caso floresçam e produzam sementes será importante para a manutenção, já que em Macururé, nessas lagoas, não
existem mais plantas de algodão, afirma.
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