Trabalho científico evitou a erradicação da produção de mandioca na mesorregião
do Centro-Sul Baiano, considerado um grande polo produtor da cultura. O desenvolvimento da mandioca BRS Formosa, naturalmente
resistente à bacteriose que assola a cultura, não só manteve a produção do polo como dispensou
o uso de químicos na lavoura para o tratamento da doença. A avaliação foi realizada por pesquisadores
da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), Unidade de pesquisa que desenvolveu a BRS Formosa.
Em 1997, as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registraram um dos piores
índices de produção e produtividade da mandioca na mesorregião de Guanambi (BA) desde o início
da década devido à incidência da bacteriose, doença causada pela bactéria Xanthomonas
campestris pv. Manihotis, que até hoje não possui controle químico.
A trajetória da doença em Guanambi e nos municípios vizinhos chegou ao fim em 2003, com o lançamento
da BRS Formosa, variedade de uso industrial resistente à bacteriose. Desde 1997, o trabalho de pesquisa foi capitaneado
pela equipe da engenheira-agrônoma Wania Fukuda, hoje aposentada, à época pesquisadora e coordenadora
do Programa de Melhoramento Genético da Mandioca da Embrapa.
"Associar a resistência a uma doença séria como bacteriose à resistência à seca
não é fácil. Você tem realmente que trabalhar em parceria. Já existiam muitas fontes de
resistência à bacteriose, mas no Sul do País, com um clima totalmente diferente. A Embrapa Cerrados (DF)
nos enviou variedades resistentes obtidas de cruzamentos. A gente tinha a fonte de resistência, mas estava faltando
a resistência à seca", recorda.
A doença havia encontrado na região todas as condições ideais para o seu pleno desenvolvimento,
em especial a variação brusca de temperatura entre o dia e a noite – com amplitude diária de temperatura
superior a 10ºC durante um período maior que cinco dias. Como a bacteriose acomete folhas e hastes da planta,
levando-a à morte, a perda de material propagativo (manivas) das cultivares locais suscetíveis inviabilizou
a renovação dos plantios e a expansão de novas áreas. "As perdas de produção variavam
de 10% a 100%, dependendo da severidade do ataque, do grau de suscetibilidade, do ciclo das cultivares locais, das condições
climáticas do município e do sistema de produção em uso", informa o pesquisador da Embrapa Mandioca
e Fruticultura (BA) Clóvis Oliveira de Almeida, líder do projeto "Impacto da pesquisa participativa do melhoramento
genético da mandioca no bioma caatinga", vigente de 2013 a 2015.
Pesquisa participativa
A gravidade da situação era tanta que a forte incidência da doença levou o Banco do Brasil
a suspender o financiamento para o custeio das lavouras de mandioca na microrregião de Guanambi. "Até no final
de 2005 eu ainda trabalhava no Banco do Brasil como técnico. Em todo financiamento que fazíamos para a região,
a mandioca não tinha sucesso, morria. Aí o pessoal falava que era por causa da seca. Como não tínhamos
o conhecimento do que estava acontecendo, o seguro agrícola cobria isso aí [o prejuízo] como se fosse
devido à seca. Depois nós tivemos a preocupação de ver o que estava acontecendo e começamos
a visitar os campos. Como agrônomo identifiquei que não era a seca que estava matando, mas uma doença",
relata Harley Carapiá Fagundes, ex-chefe do escritório da extinta Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola
(EBDA), principal parceira da Embrapa em Palmas de Monte Alto, um dos municípios da microrregião de Guanambi.
O trabalho de pesquisa foi árduo. "Foram obtidos milhares de híbridos. Nós levávamos os caminhões
de manivas e plantávamos nas áreas da EBDA em Caetité e Guanambi e nos agricultores líderes das
comunidades. Então nós fomos, com o tempo, junto com o agricultor, selecionando para resistência. As variedades
locais morriam da bactéria e a BRS Formosa foi se destacando desde o início. Ela é uma variedade mais
ou menos completa porque caiu na graça do agricultor, produz muita folha e bastante raiz e é resistente à
bacteriose", salienta Wania Fukuda.
Esse tipo de trabalho em parceria com o agricultor, chamado de metodologia participativa, constituiu-se numa ferramenta
eficiente para elevar o nível de adoção e difusão de uma nova tecnologia, agilizando sua incorporação
ao sistema produtivo dos agricultores. Nas provas participativas, as variedades locais – já usadas pelos produtores
– serviram como testemunhas. Todas as provas foram implantadas em parcelas de 50 plantas por clone, usando o manejo
tradicional do agricultor, sem qualquer uso de agroquímicos. "Quando se faz um trabalho adequado às necessidades
do agricultor, isso realmente resulta em impacto na sua qualidade de vida. Com a metodologia participativa, a relação
fica muito mais estreita. Os agricultores sentem a presença da Embrapa e descobrem como a pesquisa pode colaborar com
o seu dia a dia", pondera Wania.
Com o aval dos agricultores, a BRS Formosa se tornou a principal variedade de mandioca recomendada pela Embrapa e adotada
por eles, sendo cultivada em cerca de 18 municípios, sendo os mais importantes Guanambi, Caetité e Palmas de
Monte Alto. "Em média, nas propriedades que adotaram a variedade recomendada pela Embrapa nesses três municípios,
a substituição das variedades locais pela BRS Formosa foi de aproximadamente 97%", ressalta Clóvis Almeida.
Em Guanambi, a BRS Formosa ocupa mais de 90% das áreas plantadas com mandioca no município e, em Palmas de Monte
Alto, aproximadamente 80%.
Vantagens
Ganhos efetivos de produtividade, melhoria na qualidade de farinha e no teor de amido e redução no tempo
de colheita são as principais características relatadas por quem adotou a cultivar. José Bonfim dos Santos,
presidente da Associação dos Pequenos Agricultores de Ingazeira, em Caetité, foi o primeiro produtor
a plantar a BRS Formosa. Responsável pelo primeiro campo de multiplicação da variedade, repassou as manivas
para agricultores dos três municípios: "Foi em 1999 que nós iniciamos o plantio com cerca de 500 covas.
É uma mandioca de boa qualidade no polvilho, na farinha e também no rendimento. Antes a gente colhia 70 a 80
sacos por hectare e ela hoje chega a ter 130 sacos. Nós usamos aqui para farinha. Usamos também triturar manaíba
[maniva] para ração animal, aproveitamos a raspa, e a água da tapioca, a gente joga para adubar palma
e tem dado muito certo".
Jovino Gomes, agricultor de Palmas de Monte Alto, é um dos adeptos da BRS Formosa. "Antes eu plantava a ‘Castelão'
que era uma mandioca produtiva aqui na região, mas depois apareceu uma doença que acabou com ela e a gente conseguiu
essa [BRS] Formosa que está sendo um sucesso. Muito boa, produtiva, tem uma durabilidade muito grande, enfim, ela é
uma ótima planta boa. Para tapioca, para farinha, mesmo para puba. Ela é interessante para tudo, para ração,
até a manipueira dela é boa, eu mesmo dei para a criação de vacas. Ela é resistente, não
morre fácil não. É muito resistente à seca", afirma.
Arnaldo de Almeida, de Caetité, confirma a resistência da variedade: "A quantia que eu cheguei a plantar
dela foi três hectares. A gente se deu muito bem plantando essa [BRS] Formosa, porque é uma qualidade de mandioca
que é melhor para a gente labutar com a manaíba porque ela não ‘galha' muito e tem um ótimo
rendimento, tanto na farinha, como na tapioca. É mais resistente, sim. A doença quis começar nela, mas
não conseguiu não".
De Guanambi, Laert Guimarães Silva também apostou na variedade: "A mandioca [BRS] Formosa é muito
boa aqui, ela deu um grande resultado de produção. Depois que começamos a plantar essa semente, a doença
desapareceu, e nunca mais afetou. As chuvas aqui são poucas, mas a qualidade continua boa".
Impacto ambiental
Como a BRS Formosa é naturalmente resistente, não há necessidade de produtos químicos para
controlar a bacteriose. Como consequência, aconteceram melhorias ambientais nas condições de cultivo da
mandioca na região, especialmente nos municípios de Caetité e Guanambi, e em relação ao
uso do solo e de pesticidas.
De acordo com Clóvis Almeida, que utilizou a Ambitec-Social, ferramenta empregada na avaliação de
impacto social desenvolvida pela Embrapa Meio Ambiente (SP), para 14 agricultores familiares entrevistados pelo projeto, numa
escala entre 15 negativos a 15 positivos, o índice agregado geral de impacto social da BRS Formosa foi positivo, embora
pequeno (1,04), o que a classificou como socialmente desejável. Dos 14 indicadores de desempenho social, os que mais
contribuíram foram: geração de renda, relacionamento institucional, dedicação e perfil
do responsável e segurança alimentar. Dentre os indicadores considerados, nenhum apresentou valor negativo.
Benefícios econômicos
Segundo Clóvis, os benefícios econômicos resultantes da adoção da variedade foram medidos
em termos de benefícios adicionais médios obtidos pelos produtores. "Os benefícios calculados em campo
foram os benefícios reais, aqueles já gerados até o ano de avaliação, e não os potenciais,
que ainda podem ser gerados no futuro.
O impacto gerado foi do tipo aumento de produção, decorrente do excedente gerado pela adoção
da nova cultivar, que possibilitou o aumento do rendimento, sem a necessidade adicional de uso de novos insumos ou expansão
de área plantada", destaca. Com base no preço médio da tonelada de raiz no mercado da região e
na área cultivada (2.529 hectares) com a variedade BRS Formosa em 2012, a equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura
estimou ganho efetivo por hectare da ordem de R$ 1,7 mil e benefício econômico total na área cultivada
proporcionado de R$ 4,3 milhões.
Um documentário e uma página na internet sobre a experiência dos agricultores que adotaram a BRS
Formosa foram produzidos pela Embrapa Mandioca e Fruticultura e estão disponíveis na
página do projeto
Envie para um amigo