Agricultores do Amazonas estão retomando a produção de bananas graças ao uso de tecnologias
que permitem produzir em áreas mesmo com a presença de doenças graves para o cultivo, como a sigatoka-negra.
O plantio de cultivares resistentes às principais doenças associado ao manejo adequado e à adoção
de técnicas recomendadas pela Embrapa são alguns dos fatores que têm permitido o aumento de produtividade.
Nos últimos anos agricultores do Estado têm sofrido grandes perdas na produção, com doenças
e com as variações de enchentes e secas. "Apesar disso, a tendência de alguns agricultores passarem a
usar tecnologias, como fertilizantes, cultivares resistentes e técnicas de manejo que viabilizam a produção,
tem permitido a eles um resultado diferenciado, com produtividade que vai até o dobro da média do Estado e garantia
de renda", de acordo com o pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental (AM), Gilmar Meneghetti.
Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (
IBGE), a produção de banana no Amazonas foi de 54.610 toneladas em 2014 e passou a 92.557
toneladas em 2015. Embora o Amazonas contribua com pouco mais de 1% para a produção nacional da fruta, a retomada
da produção no Estado é importante para a segurança alimentar e geração de renda
local, principalmente por ser um fruto que está na base alimentar da população e a atividade envolver
agricultores familiares de portes pequeno e médio.
Além de permitir renda, a substituição de plantios de bananeiras suscetíveis à sigatoka-negra
por plantios de cultivares resistentes é uma alternativa que elimina custos com aplicação de fungicidas,
mão-de-obra e equipamentos para controlar a doença, além de evitar a contaminação do meio
ambiente e o risco de exposição de trabalhadores rurais e consumidores a agrotóxicos.
Dezoito anos após a entrada no Brasil do fungo Mycosphaerella fijiensis, agente causal da sigatoka-negra,
agricultores que perderam a produção no passado, hoje retiram sua principal renda da bananicultura, plantando
cultivares resistentes. É o caso do agricultor familiar Vildomar Brum, 58 anos, catarinense que cultiva banana em Rio
Preto da Eva, no Amazonas. Ele perdeu toda sua produção com a sigatoka-negra em 1998. A doença caracteriza-se
por manchas escuras nas folhas da planta, que parecem estrias, o que dificulta a realização de fotossíntese,
prejudicando a formação de frutos e assim causa prejuízos que chegam a 100% de perda de produção.
Depois do prejuízo, Brum foi um dos primeiros agricultores do Amazonas a testar cultivares resistentes recomendadas
pela Embrapa, fazendo novos plantios a partir de 1999. Apesar da ocorrência da doença no Estado, teve garantia
de produtividade quando passou a cultivar bananeiras resistentes à sigatoka-negra e colocou em prática
as orientações técnicas. O agricultor conta que começou com mil plantas e hoje tem dez mil. Ao
longo desse tempo, com os ganhos obtidos investiu nos cultivos, comprou caminhão, trator, construiu galpão,
reformou a casa e mantém um filho na faculdade cursando agronomia, para contribuir ainda mais com essas melhorias.
Tudo com a renda da banana.
A opção para que o agricultor Brum e outros agricultores possam ter cultivares de bananeira produzindo
e convivendo com a sigatoka-negra tornou-se possível porque, desde a década de 1980, antes de o fungo chegar
ao País, a Embrapa pesquisava e se preparava para enfrentar o problema, pois a doença já estava ocorrendo
na América Central e em alguns países da América do Sul. Naquela época, a Embrapa Mandioca e Fruticultura
(Bahia) enviou para a Costa Rica genótipos melhorados de bananeira para serem avaliados quanto à resistência
à doença. Em fevereiro de 1998 foi constatada a presença da sigatoka-negra no Brasil, pelos pesquisadores
Luadir Gasparotto e José Clério Rezende Pereira, ambos fitopatologistas da Embrapa Amazônia Ocidental,
que integraram a equipe que realizou os primeiros registros de ocorrência da doença nos municípios de
Tabatinga e Benjamin Constant (AM), na fronteira com a Colômbia e Peru. Muitos agricultores perderam seus cultivos no
Amazonas e também em estados vizinhos.
A partir de então, com a doença no País, os genótipos de bananeira melhorados foram transferidos
para o Amazonas, para avaliar a resistência nas condições locais. Os mais resistentes e produtivos foram
selecionados e lançados como as primeiras cultivares para o Estado, como alternativa para dar continuidade à
bananicultura. Atualmente são recomendadas para o Amazonas as cultivares de banana Caipira, Thap Maeo, FHIA 18, Pacovan
(Prata) Ken, BRS Caprichosa, BRS Garantida, BRS Vitória, BRS Japira e BRS Conquista.
Nos anos seguintes, o fungo se disseminou gradativamente pelo País, atingindo o Acre, Rondônia, Mato Grosso,
Amapá, Roraima, Pará, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, e nos últimos anos em Tocantins, Maranhão e Rio de Janeiro. Cultivares resistentes foram lançadas
para várias regiões, como alternativa para garantir a produção.
Ganhos com a tecnologia melhoram qualidade de vida
Agricultores que plantam cultivares resistentes à sigatoka-negra e seguem as orientações técnicas
colhem resultados positivos como o agricultor familiar do município de Presidente Figueiredo (AM), Osni Soares, pioneiro
em adotar essas tecnologias. Ele teve perdas com a sigatoka-negra destruindo plantios de banana Maçã, Prata
e Pacovan, mas conseguiu retomar a produção com bananeiras resistentes a essa doença. Por indicação
do órgão de assistência técnica e extensão rural do Amazonas tornou-se parceiro da Embrapa
como agricultor experimentador de algumas novas cultivares de bananeira, entre elas a Thap Maeo e, posteriormente, a BRS Conquista.
Osni conseguiu financiamento para ampliar o cultivo e hoje, junto com sua esposa Lourdes, consegue ter sua principal
fonte de renda familiar com a venda da produção de banana. Os ganhos permitem apoiar a diversificação
em sua propriedade com o início de outros plantios, por exemplo, cupuaçuzeiro e pimenta-de-cheiro. Além
de plantar cultivares resistentes à sigatoka-negra, o casal de agricultores coloca em prática as recomendações
técnicas como adubação e manejo adequado com práticas como o desperfilhamento, desfolha, entre
outras, para garantir a produtividade e atender a entrega de bananas para comercialização para a merenda escolar.
Com a renda obtida, construiu nova casa e pagou a faculdade da filha que estudou na capital. Assim como Osnir, outros agricultores
passaram a obter renda, quando investiram em cultivos com uso de tecnologia.
O extensionista Jamilson Laray, técnico em agropecuária do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário
e Florestal do Amazonas (Idam) relata que o cultivo de bananeiras resistentes tem permitido a agricultores familiares uma
melhor qualidade de vida no município de Rio Preto da Eva (AM), onde o técnico acompanha, aproximadamente 180
agricultores que utilizam as cultivares Thap Maeo, Caipira e Fhia 18. Segundo o técnico, agricultores que seguem as
recomendações técnicas estão conseguindo produtividade entre 35 a 40 toneladas por hectare/ano,
o que é um resultado bem acima da média do Amazonas, de 12 toneladas/hectare/ano. Com isso, passaram a ter renda
ao longo do ano.
Laray conta que vários desses agricultores em Rio Preto antes trabalhavam com extração clandestina
de carvão, sofreram pressão da fiscalização de órgãos ambientais e buscaram apoio
para ingressar na agricultura. O Idam recomendou a bananicultura. As mudas foram compradas de viveiristas pelo Governo do
Estado e repassadas aos produtores. Com crédito rural, capacitação e adoção de tecnologia,
estão colhendo resultados.
"Só houve melhoras pra gente depois da primeira safra de banana até agora; no carvão, a gente não
tinha esperança", conta o agricultor Matusalém Ramos, 33 anos, que passou a cultivar Thap Maeo e afirma que
consegue produtividade de 40 toneladas por hectare/ano. Conta que quando sobrevivia com a venda de carvão, nem sempre
recebia o pagamento pelo que produzia, porque o produto era apreendido. Com a renda da produção de banana, reformou
a casa, comprou carro e instalou um poço artesiano em seu sítio. A comercialização é feita
em parceria com outros produtores da vicinal onde mora, o que permite melhor preço.
A capacitação dos agricultores e a organização em associação e cooperativa
tem influenciado nos resultados positivos, na opinião do agricultor Irisvaldo Gomes da Costa, 40, que também
cultiva bananeira em Rio Preto da Eva. Costa nasceu em Tabatinga e cresceu em Benjamin Constant (AM), onde presenciou prejuízos
dos agricultores com plantios afetados pela sigatoka-negra. Anos depois, ao se preparar para ser agricultor em Rio Preto,
preferiu não passar pela mesma experiência, e começou buscando orientação do órgão
de assistência técnica, o Idam, participou de cursos, aprendeu as orientações básicas, e
plantou cultivares resistentes. Dentro do limite que pode usar de sua propriedade, reinvestiu os recursos obtidos da venda
das colheitas e já ampliou o bananal duas vezes. Costa relata que a renda das safras tem sido suficiente para pagar
o financiamento, e com o restante tem investido na formação dos filhos, está construindo uma nova casa,
comprou um carro utilitário usado para fazer a entrega do produto e agora está apoiando outro parente a entrar
na bananicultura.
Uso de fungicida para bananeiras suscetíveis
Em algumas regiões do País, produtores utilizam fungicidas para controle da sigatoka-negra em plantios
de cultivares suscetíveis ao fungo. Estudos realizados pela Embrapa indicaram que, nas condições do estado
do Amazonas, onde clima é quente e úmido, seriam necessárias 52 pulverizações por ano com
fungicidas protetores ou 26 com fungicidas sistêmicos, para controlar a sigatoka-negra. Esse tipo de controle por pulverização
não seria viável na região amazônica, em razão do alto custo econômico e impacto ambiental,
explica o pesquisador Gasparotto.
Em busca de alternativas para viabilizar a produção de cultivares suscetíveis ao fungo, uma equipe
da Embrapa Amazônia Ocidental, coordenada pelos pesquisadores Luadir Gasparotto e José Clério Rezende
Pereira, desenvolveu uma técnica que usa de forma eficiente menor quantidade de fungicida, reduz riscos na aplicação
e oferece maior controle na aplicação em locais específicos da planta.
Para uso dessa técnica foi elaborado um equipamento adaptado a partir de uma seringa veterinária, mangueira
de silicone ou látex e um cano com uma das pontas curvadas. O equipamento permite colocar gotas do fungicida no local
específico de cada bananeira, chamado de axila da segunda folha. Dependendo do produto comercial, a dose recomendada
de fungicida é de 1 a 2 ml por planta. A dosagem exata é ajustada na seringa. Com isso se evita a dispersão
do produto no ambiente e se torna possível controlar a doença com apenas três aplicações
por ciclo produtivo, que seria em torno de dez a 12 meses.
Essa técnica tem sido utilizada por agricultores com preferência pelo plantio de bananas do grupo Terra,
para o qual ainda não se tem opções de cultivares com resistência à sigatoka-negra. É
o caso do agricultor Ednei Holanda, do município de Itacoatiara (AM), que investe na produção de bananas
conhecidas na região Norte como Pacovan ou Comprida, que são consumidas fritas ou assadas. No restante do País
tem o nome de banana D'Angola. Para garantir a safra, Ednei adota as recomendações de adubação
e de manejo do bananal e acrescenta a aplicação de fungicida na axila da segunda folha da planta em intervalos
de 60 dias, como é recomendado. As aplicações iniciam em bananeiras a partir de quatro meses de idade
e devem terminar quando as plantas emitem cachos.
O produtor Ednei conta que consegue produtividade de 24 toneladas/hectare/ano, o dobro da média do Estado. Sem
essa técnica e sem o controle químico, agricultores que cultivam o mesmo tipo de bananeiras suscetíveis
à sigatoka-negra, no Amazonas, conseguem produzir um pouco no primeiro ano, mas nos anos seguintes a planta diminui
sua produtividade com perdas de até 100% dos frutos, segundo explica o pesquisador Gasparotto.
Com base em estudos feitos pela Embrapa para avaliar essas tecnologias em propriedades rurais no Amazonas, o pesquisador
da Embrapa Amazônia Ocidental economista José Olenilson Pinheiro afirma que as cultivares resistentes à
sigatoka-negra e a técnica de aplicação de fungicida na axila da segunda folha da bananeira, associadas
ao manejo recomendado nos bananais, permitem ganhos líquidos médios que vão de R$ 10 mil a R$ 14 mil
por hectare, variando de acordo com o tipo de banana, a forma de comercialização e o mercado. "São diferentes
cenários para cada uma, mas ambos estudos indicam que as tecnologias são viáveis economicamente", afirma
o economista.
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