Publicado em 22/06/2018
Fonte: Automotive Business
A carga de impostos sobre a produção automotiva no Brasil sempre foi uma caixa preta que dá origem a outros mistérios, como a formação do preço do veículo nacional. Em entrevista a Automotive Business Rogério Borili, vice-presidente da Becomex, empresa especializada no gerenciamento da área tributária, tenta clarear este cenário incerto.
Segundo ele, a resposta é sim, a indústria automotiva paga muitos impostos no Brasil, mais do que em uma série de outros países conhecidos pela grande produção de veículos. O valor, estima, pode chegar a 50% do preço final de alguns carros. A questão, no entanto, não é somente a alta carga de tributos, alerta, mas a complexidade da cobrança destas alíquotas, que incidem sobre os vários elos da cadeia produtiva. "Por isso precisamos tão urgentemente de uma reforma tributária", diz.
O especialista aponta que a mudança deveria passar por três pilares. O primeiro seria a simplificação das cobranças com um tributo único, o IVA, Imposto sobre Valor Agregado, que reuniria o que hoje é ICMS, ISS e PIS/Cofins. A alíquota deveria ser cobrada apenas uma vez, na venda do carro, por exemplo. O segundo ponto seria distribuir os recursos arrecadados de forma mais eficiente e justa entre municípios, estados e União. O terceiro pilar é garantir que os impostos incidam, efetivamente, sobre aquilo que deve pagar alíquotas. "O Brasil tem hoje um modelo totalmente voltado à tributação do consumo, não da riqueza arrecadada. É uma distorção", afirma.
Apesar das críticas, ele conta na entrevista a seguir que há boas soluções disponíveis para recuperar tributos na cadeia automotiva que ainda são subutilizados pelas empresas do setor. "Calculamos que mais de 50% das empresas exportadoras no Brasil pagam mais impostos do que deveriam por não aproveitar corretamente os benefícios fiscais e aduaneiros existentes."
Em geral, qual é a carga tributária paga pelas montadoras instaladas no Brasil?
Aproximadamente 35% do custo de produção das montadoras envolvem impostos, que acabam repassados ao preço do veículo. Em alguns casos, dependendo da potência do motor, do lugar em que os componentes são fabricados ou do tipo de combustível usado, a carga tributária pode superar 50% do preço final do veículo.
Quanto as montadoras pagam de impostos em outros países?
"O sistema tributário de cada país é bem diferente. O do Brasil é bastante complexo e o carro nacional está entre os mais caros do mundo e um dos que mais paga impostos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a carga tributária dos veículos é de 6,8% sobre o preço ao consumidor. No Japão, não chega a 10%. Nos nossos vizinhos Argentina e Chile, os impostos representam cerca de 20% do preço do carro pago pelo consumidor."
A incidência de diferentes impostos é só um dos motivos para que os mesmos produtos tenham preços diferentes em cada país. Além disso, ainda existe o chamado custo-Brasil, que inclui a soma de todos os tributos pagos em cadeia pela montadora e seus fornecedores, custos dos salários em cada região, taxas de juros, margens de lucro, produtividade, custos logísticos e preços distintos das várias matérias-primas.
E quais são os tributos pagos pelas montadoras localmente?
A lista é gigante porque os impostos não estão somente no preço do carro, mas incidem em tudo que a montadora compra, em qualquer serviço ou produto. Desde um simples parafuso até um robô para a linha de montagem ou um copo de café. Os tributos incidem em cascata e, inevitavelmente, refletem no preço do carro ao consumidor. Basicamente, a tabela de um veículo na concessionária inclui 13% de IPI, 12% de ICMS e 11,6% de PIS/ Cofins quando falamos de um modelo a gasolina com entre 1.000 a 2.000 cilindradas. A questão é que a complexidade tributária é grande no setor. Os impostos variam muito. O IPI, por exemplo, pode ter alíquota de 7%, para carro flex 1.0, e chegar a 25%, para veículos com motor 2.0 à gasolina. Por isso a reforma tributária é vital para esta indústria, com a simplificação para um único tributo, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que juntaria ICMS, ISS, PIS/Cofins e seria cobrado apenas uma vez, na venda, diferentemente de como ocorre hoje, com imposto incidindo ao longo de toda a cadeia produtiva.
A indústria automotiva conta com alguns regimes fiscais especiais em determinadas regiões. Isso ameniza o efeito da alta carga tributária?
Incentivos regionais são normalmente preparados com base em operações específicas e destinados à uma indústria que planeja investir naquela região. São modelos que aumentam a guerra fiscal dos estados e geralmente não trazem o benefício esperado. Um modelo mais preparado, de longo prazo e disponível a todos, é muito mais eficiente para o país e para a própria indústria. Por isso há tanta expectativa em torno do Rota 2030, que deveria entrar em vigor ainda neste ano. A legislação poderá trazer como novidade a possibilidade de o valor investido pelas empresas no Brasil ser abatido do Imposto de Renda e da Contribuição Social.
Há ferramentas disponíveis no Brasil para que as montadoras e empresas de autopeças recuperem ou enxuguem os gastos com tributos?
Calculamos que cerca de 50% das empresas exportadoras no Brasil pagam mais impostos do que deveriam por não aproveitar corretamente os benefícios fiscais e aduaneiros existentes. Muitas companhias sequer sabem o potencial de economia que poderiam alcançar.
"Estimamos que a indústria automotiva tenha hoje cerca de R$ 300 milhões em impostos à espera de solicitação de resgate pelas empresas junto ao governo. Com o recente crescimento das exportações, avançou também a importação de insumos. Esse movimento elevou os custos das empresas, que poderiam apostar na recuperação de impostos como um caminho saudável para equilibrar as contas e aumentar o fluxo de caixa."
Quais são os caminhos para que as empresas recuperem estes impostos?
As possibilidades de reaver os tributos pagos a mais aumentam quando a fabricante de veículos desenvolve um trabalho em parceria com toda a sua cadeia. O ideal é apurar todos os benefícios fiscais e aduaneiros concedidos pelo governo à indústria e entender como recuperá-los em cada elo da cadeia produtiva. Com algumas ferramentas, já recuperamos mais de R$ 80 milhões em créditos às empresas do setor automotivo.
Um bom exemplo é o Drawback, incentivo à exportação que viabiliza devolução total ou parcial de tributos federais recolhidos quando há importação de matérias-primas utilizadas na fabricação de mercadorias comprovadamente exportadas. Dados da Receita Federal mostram que, nos últimos quatro anos, o Drawback foi responsável por 30% de todo benefício fiscal concedido pelo governo federal. Ainda assim, cerca de 25% das maiores empresas exportadoras do Brasil não fazem a requisição deste benefício que poderia gerar milhões de reais em caixa.
Outra ferramenta é o Reintegra, que permite reintegrar valores pagos em custos tributários residuais nas cadeias de produção, o incentivo, no entanto, está ameaçado por ser uma das medidas que o governo planeja cortar para subsidiar o diesel a preços mais baixos. Até então, exportadores conseguiam receber até 2% dos valores residuais embutidos na cadeia automotiva pagos em tributos federais (PIS e Cofins), nas etapas anteriores ao processo produtivo. Agora este porcentual deve cair para apenas 0,1%. Já o Recof-Sped permite ao beneficiário importar ou adquirir itens no mercado interno com suspensão do pagamento de tributos aduaneiros quando o produto final for destinado à exportação.
Qual é o potencial de economia para as montadoras com a utilização destas ferramentas?
Estes regimes podem reduzir em até 19% o custo direto dos insumos importados destinados à industrialização dos produtos que serão exportados. Isso torna os bens fabricados aqui mais competitivos no mercado internacional.
Em valores absolutos, quanto a indústria automotiva paga em impostos no Brasil? No ano passado o ministério do Desenvolvimento falava em R$ 40 bilhões por ano, seria isso mesmo?
Os números absolutos de 2017 ainda não foram divulgados, mas as estimativas próximas a R$ 35 bilhões devem se confirmar.
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