Publicado em 12/09/2016
Fonte: Gazeta do Povo
A crise que levou à redução drástica nas vendas e na produção de veículos no Brasil provocou o fechamento, de 2014 até agora, de 31 mil vagas nas montadoras, onde normalmente os empregos são considerados de melhor qualidade. Na rasteira, foram demitidos mais de 50 mil trabalhadores nas autopeças e mais de 124 mil nas concessionárias, numa conta que supera 200 mil cortes.
Os números vão seguir em alta, pois ainda há ajustes a serem feitos em algumas fábricas, como as de Taubaté (SP) e São José dos Pinhais (PR), onde a Volkswagen deve seguir o mesmo procedimento realizado na unidade do ABC paulista, com abertura de programa de demissão voluntária (PDV), que atraiu pelo menos 1,2 mil funcionários nos últimos dias.
Na Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo (SP), 1.047 trabalhadores se inscreveram em um PDV nas duas últimas semanas, após a montadora oferecer R$ 100 mil como incentivo, além dos direitos da rescisão. Apesar disso, a empresa não obteve as 1,4 mil adesões que esperava e, por isso, demitiu mais 370 funcionários.
Alguns trabalhadores aderiram ao programa por não verem mais o futuro que esperavam no setor, até pouco tempo muito cobiçado.
No fim de 2013, as montadoras do País empregavam 157 mil trabalhadores, número que, em agosto, era de 126 mil. Desse total, 2,5 mil estão em lay-off (com contratos suspensos por cinco meses) e 19,8 mil no Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que reduz jornada e salários.
Retomada
A partir de 2014, quando as crises econômica e política se intensificaram, a produção nacional despencou de 3,7 milhões de veículos para as esperadas 2,3 milhões de unidades neste ano. O mercado interno encolheu 1,7 milhão de veículos e caminha para chegar ao fim do ano com vendas de no máximo 2 milhões de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, retornando assim a volumes próximos aos de dez anos atrás.
Voltar a vender anualmente mais de 3 milhões de unidades, como ocorreu de 2009 a 2014, deve levar no mínimo quatro anos, prevê Rodrigo Custódio, diretor da área automotiva da consultoria Roland Berger para a América do Sul.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, também vê uma recuperação lenta. Neste ano, a entidade estima nova queda de 19% nas vendas em relação ao anterior, mas, para 2017, o executivo espera o início da retomada. “Certamente vamos ficar acima dos 2 milhões de veículos deste ano, que é um número muito baixo”, prevê Megale. “Pode ser até que o volume cresça pouco, mas não vai ser negativo.”
Prejuízo bilionário
Nos últimos dois anos e meio, apenas duas das quatro maiores montadoras do País - as americanas General Motors e Ford - somaram prejuízos de US$ 3,9 bilhões na América do Sul, região em que o Brasil responde por quase 60% das vendas. As duas marcas e a Fiat Chrysler são as únicas que divulgam balanços financeiros na região.
O grupo Fiat Chrysler teve lucro de US$ 218 milhões em 2014 e prejuízo de US$ 78 milhões no ano passado. No primeiro semestre deste ano, voltou a se recuperar e registrou ganho de US$ 10 milhões. A Ford, contudo, perdeu no período US$ 521 milhões, quase 40% a mais que em igual intervalo de 2015.
A GM, por sua vez, teve prejuízo de US$ 188 milhões, melhora significativa em relação ao resultado negativo de US$ 358 milhões no primeiro semestre de 2015. “Provavelmente a empresa adotou medidas de eficiência, redução de custos e de pessoal”, afirma o diretor da Roland Berger, Rodrigo Custódio.
Ele acredita que o quadro de perdas se estenda para a maioria das demais montadoras. O setor opera com menos de 50% de sua capacidade produtiva, de 5,3 milhões de veículos, atingida nos últimos anos com a inauguração de novas fábricas.
Uma das novas construções, a unidade da Honda em Itirapina (SP), ficou pronta no fim de 2015, mas até hoje não ligou as máquinas. A fábrica com capacidade para 120 mil carros ao ano está fechada, à espera da retomada do mercado. Não há previsão de quando será inaugurada.
Competitividade
O único dado positivo das montadoras são as exportações, em parte ajudadas pela questão cambial. No ano passado as vendas externas somaram 417 mil veículos, quase 25% a mais que em 2014. Neste ano, a previsão é de superar 500 mil unidades.
O problema é que o carro nacional só consegue chegar a países da América Latina, cuja demanda total é inferior ao mercado brasileiro. Além disso, para alguns deles, é mais barato importar da China ou dos Estados Unidos.
“O Brasil precisa sair da América Latina, pois o mundo é muito maior que isso”, diz Custódio. Mas a falta de acordos comerciais com outros países, e principalmente a falta de competitividade do produto nacional, torna esse caminho bastante difícil.
O consultor da Roland Berger cita, por exemplo, o nível de automação - que é um elemento de competitividade - na indústria local. “O Brasil tem 30 mil robôs nas fábricas e, para se equiparar à média mundial precisaria ter 200 mil”.
Outro exemplo é a falta de escala de produção. Levando-se em conta a grande quantidade de modelos produzidos no País, a média brasileira é de 30 mil unidades ao ano por modelo. Nos EUA é de 110 mil, no México de 90 mil e na Alemanha de 80 mil. Segundo Custódio, o investimento em um novo carro é muito alto e, sem escala produtiva, pode ser inviável.
Outro fator citado por ele é a urgente necessidade de recuperação do parque de fornecedores, que passa por grandes dificuldades e muitas empresas estão quebrando ou entrando em recuperação judicial.
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