Publicado em 09/07/2014
Fonte: Mariana Branco e Graça Adjuto, para Agência Brasil
A perspectiva de aprofundamento da turbulência econômica na Argentina, caso se confirme a possibilidade de um novo calote da dívida externa do país, causa apreensão pelos efeitos que pode trazer para o Brasil. De acordo com analistas, uma reedição do default de 2001 traria desconfiança e restringiria ao extremo o crédito para os argentinos. O financiamento de exportações e importações seria prejudicado. Haveria piora de uma situação já evidenciada há alguns meses na balança comercial brasileira: a retração no fluxo comercial com o país vizinho, um dos principais parceiros do Brasil, e dificuldade em compensar, direcionando as vendas para outros mercados.
Após o calote de sua dívida há 13 anos, a Argentina renegociou com 93% dos credores No último dia 26, o país depositou US$ 1 bilhão destinados a pagar quem aceitou a reestruturação. Entretanto, o juiz norte-americano Thomas Griesa ordenou a restituição da verba ao país, entendendo que os argentinos devem pagar primeiro a fundos especulativos, conhecidos como fundos abutres, que reclamam 100% do valor nominal dos títulos. Para evitar um novo default, os argentinos precisam negociar com esses fundos. Griesa nomeou um mediador para acompanhar o diálogo.
Na quinta-feira (3 de julho), a Organização dos Estados Americanos aprovou uma declaração de respaldo à posição argentina, destacando que a intervenção judicial no processo de reestruturação da dívida de um país soberano traz instabilidade ao sistema financeiro internacional. O documento não foi apoiado pelos Estados Unidos e o Canadá. O Brasil é favorável à Argentina. O chanceler argentino, Héctor Timerman, discursou no encontro, afirmando que o país negociará com os credores, mas “não abandonará seu povo para favorecer os fundos abutres”.
Caso não se alcance uma solução negociada e haja default, a relação da Argentina com instituições financeiras e parceiros comerciais será penalizada. “Em um país que está em default, os bancos são mais resistentes a abrir linhas de crédito. O custo, por exemplo, de financiamento de exportações, ficará mais caro”, diz Walber Barral, da Barral M Jorge Consultoria e ex-secretário de Comércio Exterior. “Empresas terão dificuldade em receber por eventuais exportações [para a Argentina]. Vão exigir que as vendas sejam feitas a partir de pagamentos antecipados”, acrescenta José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil.
Segundo Castro, em um cenário de calote, o Brasil sentirá diretamente os efeitos. “A Argentina é o principal destino dos manufaturados [brasileiros]. Um total de 50% [desses produtos] vai para a América do Sul, principalmente a Argentina. [O Brasil] não tem competitividade para exportar para outros mercados”, diz, ressaltando que a dificuldade em vender industrializados para mercados como os Estados Unidos e a União Europeia está principalmente no preço elevado. No Mercosul, as tarifas mais baixas permitem valores competitivos, mesmo com custo alto de produção no Brasil.
Na avaliação de Castro, as elevações nas exportações brasileiras para os EUA, que subiram em nove dos últimos 12 meses, e a mais recente recuperação nas vendas para a União Europeia, não significam necessariamente que o Brasil esteja conquistando mais fatias desses mercados. “No caso dos Estados Unidos, o principal responsável foi a venda de aviões de dois, três, até cinco anos atrás. Até maio, [a comercialização de aviões] cresceu 223% [em relação ao mesmo período de 2013]. Não é coisa que se venda de forma contínua. No caso da União Europeia, [uma eventual] recuperação econômica [do bloco] ajuda, mas não temos preço para participar desse mercado”, diz.
Em um cenário de incertezas, Walber Barral e José Augusto de Castro concordam que o acordo automotivo renovado recentemente entre o Brasil e a Argentina ajuda a diminuir a insegurança. “O acordo automotivo foi extremamente importante para dar previsibilidade a esse mercado”, diz Barral. “O acordo não tem nada de novo, mantém o ritmo [do comércio]. Se não houvesse [renovação], [o setor] teria forte impacto”, acrescenta Castro. O acordo, por si só, no entanto, não resolve os problemas do setor automotivo, que já sofre há algum tempo com a queda da demanda de consumidores por veículos, tanto do lado brasileiro quanto argentino. A Argentina também impôs restrições à compra de dólares no país, o que tem afetado o comércio bilateral de maneira geral.
Assim, na hipótese de não haver calote, as perspectivas para as relações comerciais entre o Brasil e a Argentina melhoram, mas permanece o cenário de desaquecimento na economia argentina. “Há uma expectativa do mercado de que haja acordo. [Mas] a balança comercial [com os argentinos] vem caindo desde o ano passado. O que normalizaria é ter crescimento econômico. Depende do cenário mundial, mas a previsão é que não tenha no curto prazo”, comenta Walber Barral. De janeiro a junho deste ano, as exportações do Brasil para a Argentina caíram 19,8% em relação ao mesmo período do ano passado. O fluxo comercial entre os dois países recuou de US$ 524 milhões, de janeiro a maio de 2013, para US$ 385 milhões nos cinco primeiros meses deste ano.
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