Publicado em 17/06/2014
Fonte: José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute Brasil, para Época Negócios
O setor automotivo vive momentos de ansiedade. A queda na demanda interna vem sendo acompanhada por uma diminuição na produção, cerca de 10% nos primeiros cinco meses do ano, comparados ao mesmo período do ano passado, na medida em que as exportações continuam deprimidas e as importações em declínio de cerca de 10%.
Muitas empresas têm liberado colaboradores em férias coletivas e paralisado ou reduzido o ritmo de determinadas linhas de produtos. Porém, não há perspectivas seguras de uma recuperação ainda em 2014. E aguarda-se, assim, a possibilidade de medidas mais radicais por parte das montadoras para enfrentar esse período de dificuldades.
O baixo crescimento do PIB, estimado em 1,5% para esse ano, a inflação elevada e as altas taxas de juros têm contribuído para essa queda significativa. E não há perspectivas de mudanças nesses fatores nos próximos meses. Um eventual retorno de redução do IPI pode mitigar apenas parcialmente essa tendência.
As empresas parecem ter aprendido que a demissão de colaboradores não é a melhor política para enfrentar esses momentos de crise. Colaboradores engajados, qualificados e motivados fazem parte, hoje, da expectativa das companhias. E demora-se bastante tempo para atingir esse nível. Assim, as empresas têm evitado recorrer às demissões como forma de contornar momentos turbulentos.
Porém, o mesmo não se pode dizer dos fornecedores automotivos. A maioria das montadoras parece continuar acreditando que os fornecedores representam custos a serem minimizados. Parece continuar prevalecendo a ideia de que, para manter taxas de lucros adequadas, é fundamental para as montadoras espremer as margens dos fornecedores.
Desse modo, mesmo em anos de boa situação econômica com níveis adequados de produção, de ocupação da capacidade e de rentabilidade, a ampla maioria dos fornecedores não tem tido facilidades em acumular reservas de capital para enfrentar períodos mais difíceis.
E, com isso, essas empresas deverão sofrer muito com a queda nos volumes de produção, quer sejam os fornecedores de primeira camada, os “sistemistas”, que, em sua quase totalidade, são empresas globais de capital estrangeiro, assim como os fornecedores de segunda e terceira camadas (subfornecedores), em sua ampla maioria composta por empresas médias de capital preponderantemente nacional.
As grandes empresas globais enfrentarão essas dificuldades com maior facilidade por possuírem os recursos necessários e pela situação global da indústria, em geral, mais favorável do que no Brasil, mesmo que haja reduções nos níveis de investimentos, alguns adiamentos ou, até mesmo, algumas decisões mais radicais, como o fechamento de fábricas, tendo em vista eventual capacidade ociosa no Mercosul.
Entretanto, os fornecedores têm menor fôlego e menos recursos para enfrentar essa baixa. Desse modo, as empresas montadoras precisam entender que os fornecedores fazem parte de sua cadeia produtiva, e, sem eles, não há um produto final acabado. Por isso, devem tratá-los do mesmo modo que estão lidando com os seus colaboradores, ou seja, como recursos fundamentais.
As pressões competitivas em busca da redução de custos em toda a cadeia produtiva, necessária para a sobrevivência da indústria e atendimento das necessidades e demandas dos clientes, não podem ser tamanhas a ponto de prejudicar a própria sobrevivência dessas empresas. Assim, todos os fornecedores da cadeia automotiva são responsáveis pela agregação de valor ao produto final.
Uma eventual alta rotatividade dos fornecedores, que não conseguiriam sobreviver, tendo em vista os baixos preços pagos pelos seus clientes, não é benéfica por não permitir incorporar o conhecimento tecnológico de décadas de investimento. Os fornecedores, por sua vez, também deveriam ser responsáveis pelos seus próprios fornecedores e ter uma filosofia semelhante.
Esperamos que a crise que se aproxima seja contida com práticas adequadas, implementadas principalmente pelas montadoras e que não prejudiquem o desenvolvimento pleno do setor automotivo, em particular do vulnerável parque de empresas de autopeças.
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