O que achou do novo blog?
e receba nosso informativo
Publicado em 20/01/2016
A geneticista Pamela Ronald é professora da Universidade da Califórnia, Davis e um dos principais nomes na defesa dos organismos geneticamente modificados. Entre seus estudos, destaca-se a descoberta de um gene do arroz que torna a planta capaz de se desenvolver em campos inundados. Agora, ela defende a liberação do uso da engenharia genética entre os agricultores orgânicos.
Como a senhora avalia o debate em torno dos organismos geneticamente modificados (GMO, na sigla em inglês)?
É bom ter em mente que tudo que comemos é melhorado geneticamente de alguma forma. Existem métodos diferentes de melhoramento genético. E a engenharia genética, que é a técnica de transferir genes entre duas espécies, vem sendo utilizada ao menos nos últimos 40 anos, sobretudo na medicina. Como cientista, eu venho acompanhando essa técnica pelos últimos 30 anos. Todas as grandes organizações científicas do mundo concluíram que os produtos da engenharia genética atualmente no mercado são seguros para alimentação. Todas as espécies devem ser analisadas caso a caso, mas o consenso é que o processo de engenharia genética é seguro.
Na sua opinião os GMOs são seguros para o consumo humano?
Minha opinião não importa. O que eu realmente espero é que as pessoas analisem o consenso. São as organizações científicas que dizem, as mesmas que concluíram que o clima está aquecendo por causa da atividade humana. Então, é bom colocar em perspectiva não a opinião pessoal, mas o consenso científico. É importante que a gente não trate fatos científicos como opinião.
Quais as vantagens dos GMOs?
A engenharia genética é apenas uma ferramenta. Cada espécie é diferente e não é possível generalizar sob o selo de GMOs — precisamos ser muito específicos. Um exemplo da importância da engenharia genética é o mamão papaia havaiano. Nos anos 1950, uma doença muito grave devastou as plantações de papaia no Havaí, e não havia como controlar a praga. Então, os produtores tinham que abandonar a produção em uma ilha e ir para outra. Infelizmente, a infestação se alastrou por todas as ilhas. Um pesquisador local usou a engenharia genética para criar uma planta resistente à doença. Hoje, 80% dos mamões papaia são geneticamente modificados. Foi um projeto criado em domínio público e, até hoje, não existe outra forma de controlar a doença.
E o seu projeto de engenharia genética do arroz, pode falar sobre ele?
Eu sou pesquisadora, não desenvolvo arroz geneticamente modificado, mas estive envolvida em um importante projeto. Minha colaboração foi isolar o gene que permitia à planta do arroz resistir a inundações. O projeto foi muito importante porque, mesmo que os pés de arroz cresçam bem em ambientes alagados, morrem se estiverem completamente submersos. Nós conseguimos identificar o gene que tornava uma variedade específica de arroz capaz de sobreviver nesses ambientes. Um time de pesquisadores internacionais introduziu esse gene em espécies de arroz que são plantadas na Índia. E os resultados foram muito bons. Este não é um exemplo de engenharia genética, mas mostra o poder da genética das plantas. Por isso eu tento evitar o uso do termo GMO, porque ele não fornece qualquer informação, apenas confunde. Nesse exemplo, certamente envolveu técnicas genéticas, mas usou genes de arroz em plantas de arroz, o que é diferente do mamão papaia, que usou genes de um vírus.
O termo GMO deveria ser abandonado então?
Eu acredito que haja muita confusão porque o termo é muito ruim. Às vezes, as pessoas não entendem que tudo que está vivo tem genes, e todas as plantações têm genes resistentes. O termo GMO não é específico e não ajuda à discussão, porque as plantas devem ser tratadas caso a caso. Podemos falar sobre o papaia, que recebeu genes de vírus; podemos falar sobre o milho, que foi melhorado para resistir a pragas; sobre o arroz, que tem maior poder nutritivo. Mas tudo é colocado sob o mesmo selo de GMO.
A senhora defende o uso da engenharia genética nos cultivos orgânicos, certo?
Meu marido é produtor orgânico. Ele segue todas as práticas ecológicas para manter a plantação saudável, como misturar diferentes plantas para reduzir as infestações, e também usa espécies geneticamente melhoradas, como todo produtor orgânico. Mas existe uma técnica que ele não pode usar, que é a engenharia genética. Então, eu e meu marido pensamos que o foco não deve ser na técnica usada na planta, mas no objetivo da agricultura sustentável. Nós temos o mesmo objetivo. Nós queremos que os produtores sejam capazes de produzir para uma população crescente sem destruir o ambiente. Isso significa reduzir a aplicação de compostos químicos. Temos que garantir que os produtores possam subsistir e obter algum lucro, com o uso eficiente da terra e da água. Esses são os reais objetivos da agricultura sustentável.
No Brasil, existe a discussão sobre o selo de alimentos transgênicos. O que a senhora pensa disso?
Eu gosto dos selos, mas com todas as informações da produção, não apenas para destacar que se trata de alimentos GMO. O papaia, por exemplo: o mamão geneticamente modificado tem apenas um traço da proteína viral, mas o mamão que não é geneticamente modificado, que tem a doença, carrega dez vezes mais a mesma proteína. Então, isso é muito confuso para os consumidores, porque quando eles veem o selo GMO, eles não sabem exatamente do que se trata. Eu acho que todos nós, como consumidores, queremos saber é se o fazendeiro produziu os alimentos de maneira sustentável, dentro do possível, claro, porque toda agricultura é destrutiva. Todas as vezes que se planta qualquer coisa, o ecossistema nativo é alterado. Nós, consumidores, queremos saber se o produtor fez esforço para reduzir a destruição do ambiente.
E os GMOs podem contribuir para uma agricultura mais sustentável?
O que está acontecendo é que os consumidores estão pedindo por produtos não GMO. Os produtores dizem, tudo bem, mas vou cobrar 15% a mais. E por que eles estão cobrando a mais? É porque a produção requer mais pesticidas. E isso não é sustentável, nós temos que reduzir os compostos tóxicos. Então, no selo, também deveria vir informado quais compostos tóxicos foram usados na produção. Eu acredito que os selos devem existir, mas com total transparência. O que exatamente foi usado na produção daquele alimento.
Um dos pontos envolvidos nesse debate é o de grandes corporações, que dominam o mercado de sementes e insumos. O que a senhora pensa sobre isso?
Certamente existem algumas grandes companhias que dominam o mercado global de sementes. Mas essas empresas usam diferentes técnicas e vendem sementes para todos os tipos de produtores, inclusive os orgânicos. Então, eu acho que é importante não confundir o uso dessa técnica com preocupações sobre corporações. Este certamente, é um ponto importante de discussão, mas não podemos esquecer que existem muitas organizações fazendo uso da engenharia genética. Aqui no Brasil, uma variedade de feijão foi desenvolvida por uma agência do governo (Embrapa). A academia também presta papel importante. Então, nós temos que separar as duas discussões.
Mas essa dependência em relação às corporações não é prejudicial para o agricultor?
É verdade que, nos EUA, muito do milho que plantamos foi desenvolvido por grandes corporações, e os
fazendeiros estão comprando essas sementes dessas companhias. O que nós precisamos fazer é conversar
com esses fazendeiros para entender por que eles compram essas sementes. Eu sei que, em um caso, os fazendeiros reduziram
a aplicação de inseticidas em dez vezes. Isso é um grande benefício ambiental. Então, eu
acho que devemos nos concentrar nos aspectos ambientais da agricultura. Existem diferentes métodos, e diferentes ferramentas,
e a engenharia genética é apenas mais uma delas, mas uma ferramenta importante. Os fazendeiros devem ser livres
para escolher a melhor ferramenta para eles.
Fonte: O Globo, disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/geneticista-defende-uso-da-engenharia-genetica-em-organicos-18402530#ixzz3xnSWfe53
Envie para um amigo