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Publicado em 25/11/2015
O Brasil figura desde 2009 como o líder mundial no consumo de agrotóxicos. Na contramão dessa tendência, o mercado de alimentos orgânicos, que foca numa produção mais saudável, vem crescendo no país nos últimos anos.
O setor, no entanto, ainda enfrenta vários problemas, como dificuldades de logística, excesso de burocracia e carência de insumos.
Não há estatísticas oficiais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) sobre o volume de orgânicos produzidos e comercializados no país. Só estão disponíveis estimativas elaboradas com base em dados de associações de supermercados e de produtores, que não conseguem abranger todo o mercado.
Segundo o Organics Brasil, um programa ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), uma das poucas organizações que compila esses dados, o mercado de orgânicos vem crescendo a uma taxa de quase 40% ao ano – um número bem superior às médias registradas nos Estados Unidos e na Alemanha, alguns dos maiores mercados de orgânicos do mundo.
Só que esse crescimento se dá sobre uma base que era bastante diminuta há até poucos anos. “A legislação nacional sobre orgânicos só foi regulamentada em 2011, o que só permitiu a entrada de muitasempresas e produtores há pouco tempo”, afirma Ming Liu, coordenador executivo do Organics Brasil. “Nos EUA, a legislação já está em vigor desde 2000. Estamos mais de uma década atrás.”
Segundo as estimativas do projeto, o mercado de orgânicos no Brasil teve receitas de 2 bilhões de reais em 2014, um número pouco expressivo diante dos 468 bilhões de todo o setor agropecuário no ano passado, e responde por apenas 0,4% do total produzido no país.
O volume ainda está bem atrás de mercados já tradicionais, como os EUA e a Alemanha, onde o setor responde por 4% a 5% do total produzido. Nos EUA, o maior mercado do mundo, os alimentos orgânicos geraram receitas de 35 bilhões de dólares em 2014.
Futuro promissor
No Brasil, o mercado de orgânicos ainda é uma iniciativa típica de pequenos agricultores e extrativistas familiares e de alguns poucos empresários ousados.
“Ainda não há nada parecido no país com grandes redes de orgânicos, como a Bio Company, na Alemanha, e a Whole Foods, nos EUA. Nós ainda estamos com o mercado em formação”, afirma Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos da Sociedade Nacional de Agricultura. “Ainda assim, é possível ver que o mercado está crescendo por causa de algumas amostras, como as feiras livres de orgânicos, que vêm aumentando o faturamento”, afirma.
O Mapa afirma que existem 11 mil agricultores no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos. Já o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) calcula que haja mais de 400 feiras livres no país. Mesmo assim, não é possível saber exatamente qual foi o mercado total abocanhado por esses produtores e feirantes.
Para Lyu, é só uma questão de tempo para que grande empresas entrem no mercado com força. “Já existem iniciativas nesse sentido. Gigantes do varejo, como Casino, Carrefour e Walmart, já oferecem centenas de produtos orgânicos para o consumidor brasileiro. Nas lojas do grupo Casino, por exemplo, os orgânicos já respondem por 1,5% dos produtos comercializados. Outras empresas, como a Coca-Cola, já lançaram chá-mate orgânico”, afirma.
Ambos os especialistas afirmam que, apesar de muitos problemas, o futuro dos orgânicos no Brasil é promissor. “O mercado de orgânicos no Brasil não está sendo empurrado por empresas que tentam vender um produto mais saudável, mas pelo consumidor que está mais preocupado com a sua saúde. As empresas tentam correr atrás. A demanda já está estabelecida, só falta uma cadeia produtora mais organizada”, afirma Wachsner.
Entre os problemas da cadeia, além das típicas dificuldades de logística enfrentadas por todos os setores produtivos no Brasil, está a falta de insumos para a elaboração de produtos orgânicos de valor agregado, o que faz com que a oferta ao consumidor seja limitada aos produtos primários.
“Quem quer produzir chocolate orgânico, por exemplo, muitas vezes não consegue por meses obter cacau que se enquadre nas regras porque o cultivo ainda é muito pequeno”, afirma Wachsner.
Para Ming, o setor em que a falta de insumos é mais evidente é a pecuária, pois a produção de carne e laticínios orgânicos é praticamente insignificante. “Poucos produtores brasileiros conseguem comprar com regularidade rações que não incluam sementes ou produtos geneticamente modificados. Muitas vezes, quando esse tipo de proteína vegetal está disponível, o agricultor prefere exportar o produto, provocando escassez para os empresários locais”, afirma. “Nós temos uma demanda maior que a oferta.”
Dificuldades também para exportar
Se o mercado interno de orgânicos ainda é
tímido, o setor de exportações está ainda mais atrás, apesar da vocação brasileira
para a exportação de alimentos.
De acordo com os dados da Organics Brasil, o país exportou 136 milhões de dólares em produtos orgânicos, como açúcar, castanhas e óleos vegetais, em 2014.
Segundo Liu, um dos principais problemas para as exportações é a falta de acordos entre o Brasil e outros países e blocos que normatizem as regras para a concessão do selo de produto orgânico.
A legislação brasileira regulamentada em 2011 fez com que o Brasil seguisse vários padrões praticados no exterior, mas também criou novos mecanismos.
Entre eles estão os chamados “sistemas participativos de garantia” e o “controle social para a venda direta sem certificação”, que são mais baseados na confiança e na relação entre associações, produtores individuais e consumidores – e que dispensam a atuação sistemática de empresas certificadoras.
“Blocos como a União Europeia não querem nem ouvir falar disso, preferem as auditorias porque temem manipulação ou falsificação. Isso faz com que o exportador brasileiro tenha que procurar certificar seus produtos duas vezes, uma vez aqui e outra no exterior, o que encarece o produto, já que não há equivalência entre o selo brasileiro e os estrangeiros. Por isso o Brasil continua a exportar só orgânicos primários e não produtos de mais valor agregado, já que a certificação deles lá fora seria mais demorada”, afirma Liu.
A falta de acordos também prejudica as importações. “Um supermercado que importar uma barrinha de cereal do exterior vai ter que procurar certificação para cada um dos ingredientes usados se quiser vendê-la como orgânica. É um processo longo e complicado. Algumas redes chegam ao ponto de retirar o selo estrangeiro de ‘orgânico’ dos seus rótulos para evitar a burocracia, mesmo que isso signifique frustrar consumidores que procuram os produtos”, afirma.
Por Jean-Philip Struck – Fonte: Carta Capital
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