Pesquisa desenvolvida pela Embrapa Pecuária Sudeste (SP) deve impulsionar no País um valioso mercado em franco crescimento no mundo: o de produtos feitos com couro de peixe. O pesquisador Manuel Antônio Chagas Jacinto está avaliando a resistência desses materiais à tração e ao rasgamento, informações fundamentais à indústria manufatureira de couros não convencionais.
O objetivo é estabelecer um protocolo para os testes de qualidade do couro de peixe feitos em laboratório. Para isso, ele compara duas metodologias para análise das peles: uma com cortes inclinados e outra com cortes transversais e longitudinais. O diferencial do estudo é que as amostras estão sendo retiradas de tilápias grandes, de aproximadamente 3,5 quilos e com superfície maior para que seja possível recortar amostras repetidas, reduzindo as chances de erro.
Subsidiando normas internacionais
O protocolo que o pesquisador deve adotar deverá ajudar a compor normas internacionais para retirada de amostras de animais não mamíferos para pesquisas. Hoje existem padrões para a coleta de peles de mamíferos, mas não há metodologia específica para coleta de amostras de peles de aves, répteis, anfíbios e peixes.
Jacinto explica que a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) passou a adotar a transcrição de normas internacionais, as chamadas ABNT NBR ISO. A ABNT NBR ISO 2418, de 2015, determina como e de que parte do couro do mamífero deve ser retirada a amostra (corpos de prova). "O escopo dessa norma se aplica a todos os tipos de couro derivados de mamíferos, independentemente do curtimento utilizado. Mas não é aplicável a couros derivados de aves, peixes, anfíbios e répteis. Para esses animais, é preciso ter outra forma de definir a localização de retirada dos corpos de prova em função da disposição e do arranjo dos feixes de fibras de colágeno e da espessura das peles", justifica Jacinto.
Couro de peixe é valioso no mercado de moda
Produtos confeccionados a partir de couro de peixe, de avestruz e de répteis abastecem um nicho de mercado bastante exigente. "Nicho envolve a questão de moda, que vai e vem. Moda sempre volta", comenta Manuel Jacinto. Segundo ele, no caso de peles convencionais, esse fluxo é perene e mais dinâmico porque, de um ano para o outro, as feiras internacionais ditam as tendências.
No caso das peças feitas a partir de couros de bovinos, caprinos, ovinos e até suínos, os fabricantes adequam, sugerem acabamentos e cores diferentes, inovam nas estampas. "Já as peles de nicho, nas quais o couro de peixe se insere, vão e voltam com mais ou menos força dependendo do ano. Elas são produzidas sempre, tipo underground, e depois a procura dá um boom, em seguida volta ao estado anterior, mas nunca acaba", garante.
Nina Braga é diretora do Instituto E, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que atua na criação e gestão de uma rede voltada ao desenvolvimento humano sustentável. Segundo ela, a organização desenvolve projetos como o "e-fabrics", que identifica matérias-primas sustentáveis que possam ser utilizadas pela indústria têxtil e pela cadeia produtiva da moda, estimulando a cultura de consumo consciente. O projeto promove estudos de impactos socioambientais no processo produtivo, a preservação da diversidade e das relações sociais com comunidades, criando produtos com design.
Entre 2000 e 2006 o projeto foi incubado pela Osklen, uma das maiores fabricantes de peças de couros não convencionais do mercado mundial. Em 2007, o e-fabrics foi lançado na São Paulo Fashion Week. O projeto levou Nina a conhecer melhor o manejo sustentável do peixe pirarucu na Amazônia, prática adotada pelo instituto Mamirauá há 20 anos.
"O mercado de couro de peixes está se expandindo. Hermès e Armani estão produzindo. A Osklen, que é pioneira nesse processo no mundo, aposta muito nesse nicho", afirma. Nina conta que o mercado se interessa bastante quando descobre o conceito de sustentabilidade por trás das peles. "Quando ficam sabendo que é desmatamento zero, que aumenta a renda dos ribeirinhos, que o peixe é fonte de proteína para essas comunidades amazônicas e que a pele seria descartada, eles querem o pirarucu", relata ela, ressaltando a tendência de crescimento do mercado desse couro. "Se uma bolsa Chanel custa US$ 5 mil, o consumidor consciente prefere pagar US$ 1,5 mil em uma bolsa de pirarucu que tem um conteúdo socioambiental mais rico", avalia.
Em novembro de 2018, a modelo Gisele Bündchen desembarcou no Brasil com uma bolsa feita de couro de peixe de R$ 3,9 mil. O custo alto é explicado pela logística complicada. Segundo a diretora do Instituto E, o material sai refrigerado de Jutaí, no Alto Solimões, para uma viagem de 26 horas em lancha rápida. Depois é transportado por cinco dias em caminhões com câmera fria. "E ainda fazemos questão de remunerar bem os ribeirinhos", explica.
O sócio da Nova Kaeru, no Rio de Janeiro, um dos maiores curtumes especializados do País, Eduardo Filgueiras, trabalha atualmente com pirarucu e salmão. O curtimento de couros de peixe começou em 2008 e, segundo ele, até 2014 o ritmo foi lento. Em 2015, a procura aumentou nos Estados Unidos e há uma tendência de se utilizar essa matéria-prima na moda country. Ele conta que na Europa o mercado é cíclico: lançam produtos em uma coleção e às vezes não utilizam na seguinte. "Praticamente fomos nós que colocamos esses couros no mercado internacional", afirma.
Com informação do site da Embrapa.
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