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Após comprar um pacote de linhas de produtos da Hypermarcas, a Flora, do grupo JBS, quer fazer a diferença no multibilionário setor de higiene e cuidados para o lar.
Por Rosenildo Gomes FERREIRA
No dia 10 de abril deste ano, o administrador de empresas Eduardo Luz, 38 anos, recebeu uma ligação em seu telefone celular que o deixou intrigado. Passava das 22h de um domingo, e ele não reconheceu o número que estava chamando. Mesmo assim, Luz resolveu atender à chamada. Do outro lado da linha, ninguém menos que o empresário goiano Joesley Batista, um dos controladores da holding J&F, cuja receita anual supera os R$ 55 bilhões e tem entre seus principais ativos o JBS, o maior frigorífico do mundo. Na rápida conversa, eles, que até então não se conheciam pessoalmente, marcaram um encontro para o dia seguinte. Seis almoços e cerca de dez cafés da manhã depois, Luz, enfim, topou trocar o comando da área de cuidados pessoais da Unilever, onde atuava havia um ano, pelo comando da Flora, divisão de cosméticos e higiene da J&F. De Batista, Luz recebeu uma missão desafiadora: transformar a Flora em uma espécie de "Unilever dos trópicos".
Para concretizar o sonho, o empresário goiano disse que estaria disposto a investir pesado, além de dar carta branca ao executivo. A segunda parte foi cumprida à risca. Coube a Luz, que tem em seu currículo uma passagem pela filial da cervejaria AB Inbev, na Romênia, redefinir o organograma da Flora e escolher os executivos que comporiam sua diretoria. Luz também convenceu Batista a definir os princípios que norteariam a trajetória da "nova" Flora, como transparência, foco e a gestão de custo. Na segunda-feira 24, Batista começou a cumprir a outra parte do acordo ao anunciar a compra de diversos ativos da Hypermarcas. Pagou R$ 140 milhões por seis marcas, cujo destaque são Assim, de sabão em pó, e Mat Inset, de inseticida, além de uma fábrica de sabão em pó localizada em Itajaí (SC). "Esses ativos complementam o portfólio e vão aumentar nossa competitividade no mercado", disse Luz à DINHEIRO. "Minha expectativa é de que eles adicionem, de imediato, R$ 300 milhões à nossas vendas."
Apesar de pouco conhecida, a Flora é uma empresa com tradição no setor. Criada em 1980 para aproveitar o sebo resultante do abate de bovinos, seu nome é uma homenagem a dona Flora Batista, matriarca do clã. A companhia possui diversas produtos com relativa penetração em seus respectivos segmentos: o sabão e detergente Minuano, o sabonete Francis e Albany, e o Hydratta, de cuidados para a pele. Juntos, eles deverão gerar receita de R$ 1,2 bilhão neste ano. Trata-se de um montante muito aquém do potencial da Flora, de acordo com Luz. A ambição dele é dobrar esse valor no médio prazo, sem necessariamente recorrer a aquisições. Para isso, Luz quer explorar as brechas deixadas pelos competidores de maior porte, como Unilever, Procter&Gamble e Reckitt Benckiser. Em vez de concentrar os esforços nos grandes varejistas, ele decidiu focar a distribuição nos mercadinhos das periferias das regiões metropolitanas. Hoje, cerca de 60% das vendas da indústria de higiene e limpeza acontece em lojas com até quatro caixas.
Para implantar essa estratégia, Luz recrutou nas hostes da Souza Cruz e da Ambev, os executivos Carlos Siqueira e Paulo Pelon, respectivamente. Levou também duas colegas da Unilever: Roberta Santana e Karla Schlieper. "Não tenho nenhum pudor em dizer que vamos nos inspirar e até copiar as melhores práticas existentes no mercado", afirma o CEO da Flora. Apesar do porte considerado modesto, quando comparado à anglo-holandesa Unilever, cuja receita somou R$ 11,9 bilhões no Brasil, em 2010, a trajetória da Flora poderá ser facilitada devido às mudanças nos hábitos dos consumidores.
Pesquisas da consultoria Nielsen ilustram bem esse fenômeno. "Nossos estudos mostram que 24% das donas de casa se dizem propensas a experimentar novas marcas", afirma Jefferson Rodrigo da Silva, analista de mercado de limpeza da Nielsen. "Outras 10% compram produtos recomendadas por amigas ou parentes." É exatamente esse contingente que a Flora pretende atingir. O pacote de ativos adquirido da Hypermarcas passou pelo crivo de Luz, que aposta especialmente no sabão em pó, produto que responde por metade do faturamento do setor. O controle da fábrica de Itajaí dará à Flora a possibilidade de produzir o equivalente a 10% do consumo nacional. Mesmo para quem tem na retaguarda uma corporação do porte da JBS, o sonho de se tornar a "Unilever brasileira" pode se tornar uma miragem. Afinal, outras companhias locais, como Hypermarcas e Bombril, tentaram essa façanha, mas acabaram desistindo no meio do caminho. Agora, é a vez da Flora.
"A nova Hypermarcas será melhor e mais rentável!"
Nos últimos quatro anos, o empresário goiano João Alves de Queiroz Filho, o Júnior, 58 anos, transformou sua Hypermarcas em uma verdadeira "máquina de compras". Foram 23 transações que totalizaram um desembolso de R$ 8,4 bilhões. Com isso, a empresa tornou-se uma potência nos setores de higiene, limpeza, alimentos e medicamentos, obtendo um faturamento de R$ 3,1 bilhões em 2010. O ritmo frenético, contudo, começou a cobrar seu preço. O endividamento subiu, a rentabilidade encolheu e o mercado de ações passou a duvidar do lendário "toque de Midas" do empresário. Na semana passada, a companhia concretizou a venda de diversos ativos, na área de limpeza, para a Flora. A meta é passar adiante, também, a palha de aço Assolan e a linha de atomatados Etti. Isso não foi suficiente para mudar a percepção dos investidores em relação à empresa. Com queda de 56,6% desde o início do ano, contra um recuo de 14,4% do Ibovespa, a Hypermarcas desponta como uma das que mais perderam valor em 2011. Para Cláudio Bergamo, CEO da Hypermarcas, os analistas têm sido muito rigorosos com a companhia. "A Hypermarcas deve ser analisada em uma perspectiva de médio e longo prazo", diz.
Com a reestruturação, a Hypermarcas se focará nos setores de higiene pessoal e farmacêutico, áreas nas quais ela acredita dispor de ativos capazes de fazer a diferença. Graças à aquisição de potências da área, como a Mantecorp, comprada por R$ 2,5 bilhões, a Neo Química, por R$ 1,36 bilhão, e a DM Farmacêutica, por R$ 1,3 bilhão. Em vez de pretender ser vista como uma "Unilever local", comparação que sua direção estimulou até agora, a Hypermarcas prefere ser lembrada como a Johnson& Johnson brasileira. Segundo a Hypermarcas, na área farmacêutica, sua posição já é de destaque: é a primeira em medicamentos vendidos sem receita médica, a segunda em prescrição médica e a terceira em genéricos. Tudo isso a credencia para lutar de igual para igual com grandes laboratórios internacionais, como a Sanofi-Aventis, ou nacionais, como a EMS. Em agosto, a empresa reforçou sua musculatura com a inauguração de uma nova fábrica de medicamentos em Anápolis (GO), com investimentos de R$ 110 milhões.
Em Senador Canedo, também em Goiás, está sendo erguida a unidade, com inauguração prevista para 2012, que concentrará produção de cosméticos e itens de higiene pessoal, hoje dispersa em 15 fábricas. De acordo com Bergamo, a "máquina de compras" só voltará a entrar em ação quando o endividamento atual, de R$ 2,8 bilhões, cair. "A nova Hypermarcas será uma empresa melhor e mais rentável", afirma Bergamo.