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Sergio Adeodato
Tecnologia: Pesquisadores brasileiros criam método de identificar eletronicamente várias espécies vegetais
Mogno ou andiroba? Cedro ou talvez curipixá? A dúvida na identificação das espécies comerciais madeireiras, analisadas apenas visualmente pelos peritos, resultou ao longo das décadas em milhares de toneladas de toras exportadas ilegalmente da Amazônia para diversas partes do mundo. O problema tem tudo para ser solucionado, quando a fiscalização ambiental levar a campo uma nova e poderosa arma contra o comércio clandestino: pistolas que lançam feixes de luz na madeira para a leitura eletrônica de seus componentes químicos, revelando a "impressão digital" e o nome certo daquela espécie vegetal.
Os aparelhos portáteis, que devem ser importados pelo governo federal ao custo de EUR 21 mil cada, serão calibrados a partir de uma tecnologia inédita desenvolvida no Laboratório de Produtos Florestais, do Serviço Florestal Brasileiro (FSB), em Brasília. "Pela primeira vez no mundo, a espectroscopia - técnica que mede a absorção de energia luminosa pelos materiais - é aplicada em madeira tropical", afirma a pesquisadora Tereza Cristina Pastore. O método foi publicado neste ano pela equipe brasileira na revista científica da International Association of Wood Anatomists, com foco na identificação do mogno.
A espécie tem comercialização controlada no mundo, figurando no Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Silvestres (CITES). No Brasil, só pode ser explorado mediante plano de manejo florestal para a redução de impactos e toda atividade econômica envolvendo a espécie é obrigatoriamente acompanhada pelo Comitê Técnico Científico, do qual participam centros de pesquisa, governo e ONGs. Estima-se que antes das normas, utilizadas desde 2003, foram derrubadas na Amazônia 2 milhões de árvores dessa espécie em 30 anos.
"O problema é que o mogno pode escapar do controle porque é visualmente muito semelhante a outras espécies, como a andiroba", explica Tereza, advertindo que "se vende muito gato por lebre no mercado internacional". A dificuldade costuma exigir longo tempo de treinamento dos fiscais para o trabalho mas, segundo a pesquisadora, não há segurança na identificação a olho nu até para os mais experientes. Para as pesquisas, foram obtidas amostras de madeiras nativas junto a empresas florestais e de mogno apreendido no porto de Paranaguá (PR). Os cientistas aplicaram a espectometria para desenvolver modelos com gráficos para diferenciar as espécies de madeiras. "Com a tecnologia da informação, a leitura das curvas é instantânea", explica.
O método já é tradicionalmente utilizado pelas empresas de celulose para avaliar as características do eucalipto e do pinus, tarefa essencial para o planejamento da produção industrial. As aplicações se estendem à indústria farmacêutica para a quantificação de substâncias nos medicamentos, e até mesmo na separação dos diferentes cafés para o blend das torrefadoras.
"Como desdobramento da pesquisa, propomos a tecnologia para diferenciar o carvão oriundo de floresta nativa e plantada, importante no controle do uso pelas siderúrgicas", revela Tereza. "Precisamos expandir o acervo de amostras de madeira para calibrar o modelo, dando suporte à fiscalização, principalmente no momento atual, quando a Europa e os Estados Unidos fecham o cerco comercial contra o produto florestal ilegal e predatório", completa a pesquisadora.
"O Brasil avançou nas ferramentas para o controle da madeira, passando do papel em várias vias para o sistema eletrônico", avalia Antônio Carlos Hummel, presidente do SFB. Apesar dos ganhos, brechas para fraudes persistem. De acordo com o último relatório do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 33% da produção madeireira amazônica tiveram origem ilegal em 2009.
"O desafio agora é conceber um sistema eficiente para se rastrear a madeira da floresta até o consumo", afirma Hummel. A grande dificuldade, segundo ele, é o desdobramento da madeira em diferentes produtos nas serrarias e fábricas ao longo desse caminho. As áreas de floresta pública sob concessão para exploração por empresas deverão ser palco dos primeiros projetos pilotos em busca de uma solução.
A instalação de chips para o acompanhamento por satélite dos caminhões é uma alternativa em estudos para o maior controle contra fraudes. O objetivo é forçar que as toras sejam exploradas apenas em áreas licenciadas e não em unidades de conservação ou terras indígenas, alvo de madeireiros ilegais. No Acre, o governo estadual tem o projeto de criar, em conjunto com ONGs, uma espécie de "cerca digital", para o controle do transporte de madeira dentro de um corredor de rodovias até a entrega ao comprador autorizado a receber a carga, nas grandes capitais do Centro-Sul.
Também começam a surgir plataformas on line, como a desenvolvida por pesquisadores do SFB com informações sobre 157 espécies madeireiras, das quais 57 estão entre as mais comercializadas. O sistema reúne 60 diferentes parâmetros de cada espécie, da nomenclatura à textura, cor, peso, cheiro, distribuição geográfica e status de conservação - ou seja, se estão em listas brasileiras ou estrangeiras da flora ameaçada de extinção.
É possível pedir a comparação de várias características na mesma tela, inclusive com fotos da estrutura da madeira ampliada dez vezes. O sistema é utilizado em cursos de identificação de madeira para agentes do Ibama, técnicos de secretarias de meio ambiente, peritos da Polícia Federal e policiais ambientais, com objetivo de evitar a chegada de produto não autorizado ao mercado.
Em São Paulo, principal destino da madeira amazônica, agentes da Polícia Ambiental realizam periodicamente operações nas estradas para conferir se o volume e as espécies de madeira estão de acordo com o documento para o transporte. Diante da dificuldade para a identificação da madeira pelos policiais, a equipe da pesquisadora Sandra Florsheim, do Instituto Florestal, chegou a uma solução: um sistema portátil, com notebook plugado a um microspópio que capta as nuances da madeira sob vários ângulos. As imagens são enviadas pela internet para análise nos laboratórios do instituto que, em poucos minutos, encaminha on line o laudo técnico para os policiais.
O modelo despertou a atenção de outros estados, como Pará, Mato Grosso e Acre, para o treinamento dos agentes na fiscalização digital. Na última operação realizada em território paulista, nos dias 5 e 6 de junho, a tecnologia contribuiu para a aplicação de 50 multas, totalizando R$ 2,2 milhões.