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Por Ana Paula Brasil, de Salvador
No livro "Terras do Sem Fim", publicado no início da década de 40, o escritor Jorge Amado descreve a disputa por terras do sul da Bahia entre os irmãos Badaró e o Coronel Horácio da Silveira. Naquelas bandas, o cacau, nativo da Amazônia, havia encontrado o terreno ideal para crescer e enriquecer os homens. O solo escuro, muita vezes "adubado com sangue", abriga hoje um novo ciclo do produto. E um dos responsáveis por essa transformação é Diego Badaró, 31 anos, quinta geração de cacauicultores.
"Sempre fui ligado à mata, à ecologia. Queria criar para o cacau uma cadeia sustentável, com o objetivo de fazer um chocolate bom, brasileiro e orgânico", conta Badaró. Há nove anos, ele assumiu as fazendas da família falando uma língua que pouca gente na região entendia: orgânico, sustentável, ecológico...
As propriedades estavam abandonadas desde que a praga conhecida como "vassoura devastou as plantações de cacau no sul da Bahia, no fim dos anos 80. Um inquérito indicou que a "plantação" foi feita de forma criminosa, mas não apontou culpados. A ação teria sido feita por alguém interessado em quebrar o poder político na região. Conseguiu.
O Brasil era então o segundo produtor mundial; hoje é o sexto, de acordo com a Organização Internacional do Cacau (Icco). A Costa do Marfun ocupa o primeiro lugar. Mais de 20 anos depois da praga, a área plantada na Bahia diminuiu33%, de 600 mil para 400 mil hectares, enquanto a produção na região desabou para menos de um terço.
Depois da vassoura-de-bruxa, diz Badaró, o perfil de cultivo no sul da Bahia transformou-se completamente. "Muitos produtores derrubaram a mata para fazer pasto. Alguns resolveram plantar outras culturas mais rentáveis e menos arriscadas", comenta. "E quem ficou no cacau insistia em usar pesticidas muito agressivos para tentar proteger a lavoura."
Atualmente, o produtor está otimista diante do novo panorama. Ele acredita que o cacau está deixando de ser uma "commodity" para virar um produto de primeira classe. "Temos menos cacau, mas a qualidade melhorou muito. Está aumentando o número de pessoas que procuram o cacau como matéria-prima premium", afirma Badaró. "O chocolate vai ficar mais caro, mas será melhor."
As principais bolsas para a negociação de cacau são Londres (Inglaterra)e Nova York (EUA). No fim de outubro, a cotação do produto estava em cerca de US$1,7 mil e, pelas contas de Badaró, esse valor pode mais que dobrar em dez anos. A maior parte do cacau brasileiro (65%) é produzida na Bahia. Amazonas, Pará, Mato Grosso e Espírito Santo também têm a fruta.
A Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, reconhece o trabalho de alguns produtores na melhoria do produto brasileiro entre eles, Badaró. O diretor Jay Wallace comenta que a Ceplac está buscando a aprovação de uma política pública para incentivo de pequenos produtores dispostos a investir num cacau fino, para a fabricação do que o mercado chama de "chocolate de aroma", um produto final de melhor qualidade.
Ele ressalva, porém, que isso não substituiu as grandes cooperativas e processadoras. "Há muita demanda. O mundo hoje consome 4 milhões de toneladas de cacau e, nos próximos cinco anos, vai demandar mais 630 mil toneladas." Além do aumento da procura, há outro fator que pode elevar o consumo de cacau: o percentual obrigatório da fruta na fórmula do chocolate. No Brasil, para que qualquer produto seja comercializado com o nome de chocolate, ele precisa ter no mínimo 25% de cacau na composição. O nível é baixo em relação a outros países; alguns já trabalham com 40%.
Isso será um desafio para a indústria massificada do chocolate que, no geral, lucra usando pouco cacau e substituindo a gordura natural da fruta (manteiga de cacau) por gordura hidrogenada. A manteiga é vendida separadamente para a indústria de cosméticos.
Badaró participou da colheita do cacau desde os 5 anos, acompanhando a avó, e sabia que somente investindo no manejo da plantação seria possível obter um fruto capaz de produzir um bom chocolate. "O segredo está na fazenda. A qualidade do cacau determina a maciez e o sabor do produto final", afirma o produtor. Ele vê ainda na recuperação das fazendas uma forma de preservação do pouco que resta de Mata Atlântica no país. "O cacau precisa de sombra para crescer e é plantado em meio às árvores nativas sem causar devastação."
O cacaueiro dá frutos quase o ano todo e pode chegar a produzir por 300 anos. O primeiro passo para melhorar a qualidade do "fruto de ouro" foi preparar a terra com compostos orgânicos (biogel, compostagem de frutas, pó de rochas do sertão, água do mar...). Depois de colhido, o cacau é descascado e os grãos selecionados passam por uma fermentação. Nesta etapa foi feito outro investimento: as amêndoas de cacau descansam sob o sol da Bahia por um período de 15 a 20 dias - tempo maior do que o normalmente usado, mas, para o fazendeiro, fundamental para apurar sabores e aromas.
Os grandes "chocolatiers" do mundo começaram a ouvir falar da ressurreição do cacau baiano e a fazenda dos Badaró passou a vender o produto para nomes consagrados, como o francês François Pralus. "Era o meu primeiro objetivo; ver grandes nomes do chocolate usando o nosso cacau", revela.
Enquanto reorganizava as fazendas e preparava as famílias da região para a prática sustentável, Badaró conheceu o americano Frederick Schilling, fundador da Dagoba, uma das marcas de chocolate orgânico mais importantes do mundo. Viraram sócios no empreendimento do produto que, no ano passado, chegou às prateleiras: o Amma Chocolate. "Controlamos todas as etapas de produção, do plantio do cacau à distribuição", explica Badaró.
Para obter o chocolate ideal, o primeiro investimento foi feito no maquinário da fábrica. "Estudei e pesquisei muito até chegar num conjunto que trabalhasse o cacau como eu queria", diz Badaró, que comprou parte dos equipamentos na Inglaterra e parte no Brasil, depois de ter convencido um fabricante de torrefadores de café a fazer adaptações para o cacau. "Meu sócio achava uma loucura. Mas funcionou."
Sua intenção era aprimorar a etapa que representa um dos segredos do bom chocolate. "Torrar a baixa temperatura e lentamente preserva a acidez e libera nuances delicadas", ensina o produtor. "O recurso de torrar a temperaturas altas é usado para ganhar tempo e homogeneizar o gosto quando se está trabalhando com matéria-prima ruim."
Na fantástica fábrica de chocolate deste "Willy Wonka sustentável", há painéis solares para produção de energia e sistema de reaproveitamento de água. As embalagens, desenhadas pela artista plástica Luiza Olivetto, também merecem atenção especial são todas feitas com papel de madeira 100% plantada para esta finalidade. "E uma gestão ambiental atenta aos detalhes. O cacau estabeleceu uma cadeia mágica: nada se perde. Até a casca que sai do grão a gente mói para fazer adubo. As plantinhas amam chocolate", brinca.
Atualmente, a Amma produz 60 toneladas de chocolate por ano. E exporta para México, Estados Unidos, China, Coreia do Sul, Kuait e Austrália. O produto é apresentado em tabletes de 80 g, barras de 1 kg e pequenas pastilhas de 5 g. Possui sete graduações na concentração de cacau: 30%, 45%, 50%, 60%, 75%, 85% e 100%. Os dois primeiros são ao leite. Os chocolates 100% cacau já são conhecidos dos chefs e usados em receitas, mas representam uma novidade no varejo brasileiro. O da Amma chegou às prateleiras das lojas há apenas três meses.
Os planos da empresa para 2012 são de dobrar a produção e se preparar para receber, em Salvador (BA), o "Salon du Chocolat", evento mais importante do mundo no ramo. Será a primeira vez que um país produtor de cacau abrigará o encontro.