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Brasileiros se adaptam à exigência de importar para poder vender
Daniele Madureira
A Vonpar Alimentos, dona dos chocolates Neugebauer, decidiu comprar cerca de 40 mil palitos de pirulito argentinos. Não que o item esteja em falta no Brasil, pelo contrário, o país é autossuficiente nesse quesito. Mas a importação de palitos foi a saída encontrada pela fabricante de doces para liberar a carga de quatro caminhões de produtos que está parada há quase um ano em depósitos do país vizinho.
Os doces brasileiros não podem ser vendidos localmente enquanto a Vonpar não tiver o certificado livre circulação. A Argentina só libera o documento se o importador do produto brasileiro exportar algo feito no país. Daí a opção pelos palitos, o único item vendido pelo importador da Vonpar que interessa à fabricante.
O exemplo ilustra a mais recente disputa com os "hermanos" que vem tirando o sono de parte da indústria brasileira de alimentos - especialmente dos pequenos e médios fabricantes. A Argentina é o principal destino das exportações dos doces nacionais. As empresas e a Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab) não falam abertamente sobre o assunto.
Mas, segundo apurou o Valor, desde março, o impasse provocou perdas de US$ 8 milhões em vendas, com compras canceladas, produtos armazenados ou até passando da validade. O valor do prejuízo poderia ser bem maior - cerca de US$ 18 milhões, se não fossem as alternativas de importação de itens argentinos buscadas pelos fabricantes e seus parceiros comerciais no país.
A Dori, por exemplo, sugeriu a um dos seus fornecedores de embalagens, a Iberia, a compra de amido de milho argentino, usado na fabricação de chapas de papelão ondulado, que formam as caixas para armazenar produtos. A empresa de Marília (SP), maior fabricante brasileira de balas e gomas, teve que qualificar o seu importador para que ele se tornasse também um exportador argentino. Enquanto isso, 138 toneladas de balas, pirulitos e gomas ficaram paradas no depósito do importador argentino, com a indicação "sem direito a uso". Só no mês passado a carga começou a ser liberada, quando a Iberia passou a comprar amido de milho.
A gaúcha Docile, de Lajeado (RS), ficou com uma carga de US$ 200 mil em balas de gomas, pastilhas e chicletes parada durante três meses, entre março e maio, por conta do impasse. O seu importador passou a revender para a fabricante embalagens cartonadas, usadas como display de produtos. Mas agora, com a recente alta do dólar, a empresa avalia se é interessante manter a compra das embalagens, que ficaram mais caras que os similares nacionais.
As barreiras do governo argentino para produtos brasileiros não fazem parte de uma política oficial. Desenvolver a indústria local e equilibrar da balança comercial são justificativas do governo argentino. Se dependesse do setor de alimentos, no entanto, o governo de Cristina Kirchner estaria reclamando de barriga cheia.
A balança comercial é favorável para eles: o Brasil importou US$ 1,15 bilhão em produtos alimentícios da Argentina em 2010. Nossos vizinhos, por sua vez, compraram US$ 437 milhões em alimentos "made in Brazil" em 2010. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), as vendas de chocolates, balas e confeitos para a Argentina somaram US$ 150 milhões em 2010. É a categoria brasileira que mais vende no país vizinho, mais até do que carnes (US$ 110 milhões).
Não é só a indústria de doces que vive maus bocados com os argentinos. Os produtos da fabricante de conservas Brasfrigo, dona da marca Jurema, ficaram cinco meses parados no mercado argentino neste ano. A empresa é a principal fornecedora de marca própria de grandes redes como Makro e Dosantos, e começou a faltar produtos nas gôndolas. Foi a desculpa que o varejo precisava para pressionar. O governo liberou a carga em julho.