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Produtos alimentícios que prometem benefícios tiveram um salto de 82% entre 2004 e 2009, podendo crescer
mais 39% até 2014; especialistas, porém, têm dúvidas sobre sua eficácia, já que quantidade
ingerida teria de ser gigantesca para gerar efeito Karina Toledo Quase na mesma velocidade em que as pessoas das grandes cidades abandonam o consumo de grãos, frutas e vegetais,
multiplicam-se nas prateleiras dos supermercados alimentos enriquecidos com vitaminas e outros ingredientes ditos funcionais. As promessas são muitas: ajudar no controle do peso, do colesterol e no funcionamento do intestino. Fortalecer o
sistema imunológico, prevenir a osteoporose, a flacidez, o envelhecimento e, quiçá, o câncer. Até
que ponto isso é verdade? Nem os especialistas sabem. Segundo dados do Instituto Euromonitor, o mercado de alimentos e bebidas ligados à saúde e bem-estar no País
cresceu 82% entre 2004 e 2009 - saltando de R$ 13,6 bilhões para R$ 24,8 bilhões. Estima-se que até 2014
o setor cresça outros 39%, impulsionado por consumidores como a gerente de marketing Rosemeire Fernandes, de 46 anos. Entre shakes para emagrecer, suplementos vitamínicos, chás antioxidantes e produtos ricos em fibra e com
0% de açúcar, ela gasta cerca de R$ 400 por mês - isso sem contar a "comida de verdade". "É tão
prático! No café da manhã, tomo um shake preparado com leite de soja e acrescento farinha de linhaça
e colágeno em pó. Depois tomo uma cápsula com vitamina C e zinco. Em 5 minutos estou pronta para sair
e tenho todos os nutrientes que preciso", conta. Pilares da indústria. A busca por praticidade e saúde são os principais vetores do
crescimento da indústria de alimentos, aponta levantamento da Nielsen, empresa especializada em pesquisa de mercado. "As pessoas estão vivendo mais e de forma mais estressada. Buscam alimentos que possam neutralizar as agressões
do meio ambiente", diz Jocelem Salgado, presidente da Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais. "Sem dúvida você
agrega valor a um produto quando comprova que ele, além de nutrir, traz um benefício para a saúde. Mas
isso não é fácil", admite. Algumas substâncias já foram referendadas pela ciência, como o ácido graxo ômega 3, diz
a agrônoma Inar de Castro, da USP. Mas outras vedetes da indústria precisam ser mais bem estudadas para que se
tenha certeza de sua eficácia e segurança. "Ainda não podemos afirmar que antioxidantes trazem algum benefício, como retardar o envelhecimento ou prevenir
doenças. As pesquisas não são conclusivas. É possível até que tenham efeito contrário
do que se espera", afirma Inar. Luciana Rabello, da Sociedade Brasileira de Dermatologia, concorda e defende o consumo dos chamados nutracêuticos
- vitaminas, antioxidantes e suplementos como o de colágeno - apenas sob orientação médica. "Nada
garante que a absorção gástrica do colágeno traz algum benefício à pele ou aos ossos.
E seu consumo regular pode sobrecarregar os rins, bem como o excesso de vitaminas e minerais." Consumidor perdido. Mesmo ao comprar produtos enriquecidos com ômega 3, reconhecido pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como auxiliar "na manutenção de níveis saudáveis
de triglicerídios", o consumidor pode ser induzido ao erro. Para que o fabricante coloque a alegação
de funcional no rótulo, a agência exige que o produto contenha pelo menos 0,1g do ácido graxo por porção
e tenha como origem o óleo de peixe. Pesquisas indicam ser necessário ingerir entre 1,5 g e 2 g da substância
para obter algum benefício. Mas é possível encontrar nas gôndolas produtos que destacam no rótulo a presença de ômega
3, mas não trazem a alegação de funcional aprovada pela Anvisa - seja porque a origem do nutriente não
é o óleo de peixe ou porque sua quantidade é muito pequena. "Para a gente que é leiga parece tudo
a mesma coisa", diz a dona de casa Conceição Pires, de 59 anos. Não é bem assim. O ômega 3 da linhaça e dos óleos vegetais, como o de canola, é
de um tipo diferente, cuja absorção pelo organismo é menor. Aquele presente no suco da empresa Jandaia
é extraído de algas e, de acordo com o fabricante, tem a mesma propriedade daquele retirado do óleo de
peixe - sem o inconveniente do cheiro e do gosto forte. No entanto, cada copo de suco fornece apenas 0,008 g de ômega
3, ou seja, seriam necessários 200 copos para alcançar a quantidade ideal. Walter de Souza, fornecedor da Jandaia, explica que acrescentar uma quantidade maior da substância ao suco deixaria
o preço fora da média de mercado. "O plano é ter produtos economicamente viáveis para que o consumidor
possa compor sua alimentação. Ele come um pão enriquecido, um suco, toma leite e assim chega à
quantidade", diz. Procurada pela reportagem, a Anvisa informou que o uso no rótulo de expressões como "contém ômega
3 ou "fonte de ômega 3" não são regulamentadas. Enriquecidos. Rótulos que destacam informações como "fonte de ferro" ou "rico
em vitaminas" também induzem o consumidor ao erro, diz o nutricionista Daniel Bandoni, da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp). "Muitos acabam achando que o consumo desses produtos os isenta de comer frutas e verduras. Mas estudos têm
mostrado que a absorção dos nutrientes de produtos enriquecidos não é igual a dos alimentos in
natura." Além disso, continua Bandoni, a fortificação de produtos como refrigerantes e biscoitos recheados
não anula características negativas, como o excesso de sódio, gordura, açúcar e aditivos
químicos. "Não sou contra os industrializados, apenas acho que eles não podem ser a base de nossa alimentação",
diz. Para Jocelem Salgado, a indústria tem uma papel importante por sua capacidade de concentrar, em pequenas porções
do alimento, altos teores de substâncias benéficas, como os fitosteróis, que reduzem a absorção
do colesterol pelo organismo. "Acredito que os alimentos funcionais podem sim prevenir doenças, desde que consumidos dentro de uma dieta equilibrada",
defende. Numa coisa os especialistas concordam: a receita para uma alimentação verdadeiramente saudável deve
incluir uma grande variedade de alimentos in natura, grãos integrais e respeitar os hábitos culturais de cada
população. Não há fórmula mágica.